|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para
conferir a correção na versão eletrônica da Folha de
S.Paulo.
Crítica/"Falstaff"
Ópera de Verdi é prazer com sabedoria em versão da Osesp
Isaac Karabtchevsky rege produção com barítono russo Schagidullin e outros nove cantores na Sala São Paulo
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Uma das grandes cenas
da ópera vem no começo do Ato 3. Molhado e
humilhado, depois de jogado
no rio literalmente com a roupa
suja da mulher que tentou seduzir, Falstaff se lamuria e fala
mal da humanidade.
Mas basta começar a falar e o
milagre se renova: pouco a pouco vai voltando a energia do
mais vital dos homens, e a música de Verdi (1813-1901) torna
isso possível não só de ver, mas
de ouvir. Foi assim anteontem
na Sala São Paulo, com o barítono russo Albert Schagidullin no
papel título, um elenco estelar
de vozes e a Osesp regida por
Isaac Karabtchevsky.
Dirigida por André Heller-Lopes, a produção semiencenada faz mais do que só sugerir,
mas não avança o sinal na dramaturgia. Um ou outro aparato
cênico (cadeira, cesto, biombo)
é o suficiente; na grande cena
final da floresta basta um único
carvalhozinho em miniatura,
simbólica e bem-humoradamente postado à beira do palco.
É um prazer ver e ouvir cantores desse nível fazendo discreto bom teatro para a grande
música. Composta nos últimos
anos de vida do compositor,
inspirada nas "Alegres Comadres de Windsor" (1597) de
Shakespeare, "Falstaff" (1893)
é uma partitura impressionantemente arrojada -tanto mais
porque não chama a atenção
para seus arrojos.
Está muito
longe do modelo de outras
obras-primas como "La Traviata" e "Aida", ou mesmo de sua
antecessora, "Otello".
Com notáveis exceções, aqui
não se tem mais as características árias, cavatinas, cabaletas,
separadas do resto da música e
imediatamente memoráveis.
Tudo na música flui ininterruptamente e tudo vem da palavra, elevada à condição de
música por um aparente pequeno mágico toque de gênio.
Pequeno ou grande: como
nas inúmeras cenas de contraponto virtuosístico, em combinações variadas das nada menos que dez vozes solistas. Tudo converge para a "fuga cômica", que Karabtchevzky -soberano do começo ao fim, sem
maior vibração, mas muito à
vontade na frente da orquestra- levou num ritmo eletrizante.
Cantores e cantoras: começando por Schagidullin, expressivo e engraçado. Compensa o
volume relativamente menor
da voz com a natural graça. Só
falta ser obeso, como pede o papel. Leonardo Neiva (Ford) entrou de última hora e fez bonito, gol do Brasil, tabelinha com
Denise de Freitas (Meg).
Maravilhosa mesmo estava a
soprano francesa Marisol
Montalvo (Nanetta), não só pelas costas bronzeadas. São todos de alto nível: Inna Los (Alice) e Anna Kiknadze (Quickly),
Daniil Shtoda (Fenton), Oliver
Ringelhahn (Caius), Marcos
Thadeu, Pepes do Valle e o Coro do Osesp.
Verdade que no
Ato 1 ainda não havia muita liga
no conjunto; depois, pegou.
"Tudo no mundo é uma piada", cantam eles, no final. A frase é do libretista Boito e dá outro acento para o "tudo no
mundo é teatro" de Shakespeare. Tudo é piada: e a música de
Verdi faz dessa piada a maior
sabedoria, que ajuda a gente a
continuar indo ao teatro.
FALSTAFF
Quando: hoje, às 20h30, e domingo, às
17h; ingressos esgotados
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, 16; tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: de R$ 30 a R$ 104
Classificação: 7 anos
Avaliação: bom
Texto Anterior: Morre o fotógrafo Otto Stupakoff, 73 Próximo Texto: Música: Cantor Péricles Cavalcanti faz show no Sesc Índice
|