São Paulo, sexta-feira, 24 de abril de 2009

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Crítica/"Falstaff"

Ópera de Verdi é prazer com sabedoria em versão da Osesp

Isaac Karabtchevsky rege produção com barítono russo Schagidullin e outros nove cantores na Sala São Paulo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Uma das grandes cenas da ópera vem no começo do Ato 3. Molhado e humilhado, depois de jogado no rio literalmente com a roupa suja da mulher que tentou seduzir, Falstaff se lamuria e fala mal da humanidade.
Mas basta começar a falar e o milagre se renova: pouco a pouco vai voltando a energia do mais vital dos homens, e a música de Verdi (1813-1901) torna isso possível não só de ver, mas de ouvir. Foi assim anteontem na Sala São Paulo, com o barítono russo Albert Schagidullin no papel título, um elenco estelar de vozes e a Osesp regida por Isaac Karabtchevsky.
Dirigida por André Heller-Lopes, a produção semiencenada faz mais do que só sugerir, mas não avança o sinal na dramaturgia. Um ou outro aparato cênico (cadeira, cesto, biombo) é o suficiente; na grande cena final da floresta basta um único carvalhozinho em miniatura, simbólica e bem-humoradamente postado à beira do palco.
É um prazer ver e ouvir cantores desse nível fazendo discreto bom teatro para a grande música. Composta nos últimos anos de vida do compositor, inspirada nas "Alegres Comadres de Windsor" (1597) de Shakespeare, "Falstaff" (1893) é uma partitura impressionantemente arrojada -tanto mais porque não chama a atenção para seus arrojos.
Está muito longe do modelo de outras obras-primas como "La Traviata" e "Aida", ou mesmo de sua antecessora, "Otello". Com notáveis exceções, aqui não se tem mais as características árias, cavatinas, cabaletas, separadas do resto da música e imediatamente memoráveis.
Tudo na música flui ininterruptamente e tudo vem da palavra, elevada à condição de música por um aparente pequeno mágico toque de gênio. Pequeno ou grande: como nas inúmeras cenas de contraponto virtuosístico, em combinações variadas das nada menos que dez vozes solistas. Tudo converge para a "fuga cômica", que Karabtchevzky -soberano do começo ao fim, sem maior vibração, mas muito à vontade na frente da orquestra- levou num ritmo eletrizante.
Cantores e cantoras: começando por Schagidullin, expressivo e engraçado. Compensa o volume relativamente menor da voz com a natural graça. Só falta ser obeso, como pede o papel. Leonardo Neiva (Ford) entrou de última hora e fez bonito, gol do Brasil, tabelinha com Denise de Freitas (Meg).
Maravilhosa mesmo estava a soprano francesa Marisol Montalvo (Nanetta), não só pelas costas bronzeadas. São todos de alto nível: Inna Los (Alice) e Anna Kiknadze (Quickly), Daniil Shtoda (Fenton), Oliver Ringelhahn (Caius), Marcos Thadeu, Pepes do Valle e o Coro do Osesp.
Verdade que no Ato 1 ainda não havia muita liga no conjunto; depois, pegou. "Tudo no mundo é uma piada", cantam eles, no final. A frase é do libretista Boito e dá outro acento para o "tudo no mundo é teatro" de Shakespeare. Tudo é piada: e a música de Verdi faz dessa piada a maior sabedoria, que ajuda a gente a continuar indo ao teatro.


FALSTAFF

Quando: hoje, às 20h30, e domingo, às 17h; ingressos esgotados
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, 16; tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: de R$ 30 a R$ 104
Classificação: 7 anos
Avaliação: bom



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