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BIENAL DO LIVRO
Alessandro Baricco mostra ao Brasil sua "tragédia otimista"
CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio
O escritor italiano Alessandro
Baricco, 40, gosta de "romances
com defeitos" e diz encontrar o
que gosta nos clássicos do século
passado. A tese do escritor: nos romances antigos, os autores podiam
mudar os rumos de sua história repentinamente. Hoje, cobra-se a
coerência absoluta da trama, sem
espaço para a mudança de rumos.
"Conrad, por exemplo, comete
tantos pequenos erros de rumo em
seus romances que assim os torna
perfeitos. Ele deixa claro que não
sabia para onde queria ir e acompanhar esta descoberta é fascinante", disse o escritor, no Rio para
lançar o romance "Mundos de Vidro" (1991), que ele autografa hoje,
às 16h, na 9ª Bienal do Livro.
Baricco é uma estrela em ascensão no mercado editorial europeu.
Disputado por editores na Feira de
Frankfurt de 1998, já publicou três
romances -além de "Mundos de
Vidro", "Oceano Mar" (1993) e
"Seda" (1996), ambos já lançados
no Brasil.
Os três romances têm em comum um ponto: todos se passam
em alguma bucólica cidade do interior no século passado.
Leia abaixo trechos da entrevista
de Baricco à Folha.
Folha - Seus três romances se
passam em pequenas cidades do
interior, no século 19. Por quê?
Alessandro Baricco - Gosto de
manter distância de minhas histórias. Por isso as levo para longe de
meu tempo. Como não sou capaz
de escrever ficção científica, de escrever sobre o futuro, as mudo para o passado.
Mas não é um passado específico, um período determinado -exceto por "Seda". Em "Oceano Mar"
e "Mundos de Vidro", não sei onde
se passa o romance. É um "nenhum lugar", um lugar de fantasia
em um tempo de fantasia. Não é
uma escolha racional, é instintiva.
"City" (mais recente trabalho do
autor, a ser lançado dentro de duas
semanas na Itália) é meu primeiro
romance passado no tempo atual.
No livro conto muitas histórias ao
mesmo tempo e a maioria é passada no presente, mas ainda assim é
um lugar de fantasia.
Não sei exatamente por que, mas
preciso dessa distância. Não gosto
muito que meus personagens tenham que fazer coisas como pegar
um ônibus, falar ao telefone. Eu
prefiro que tudo fique em um período que não se possa definir.
Folha - O sr. é tido como um dos
mais importantes escritores italianos da atualidade. O que acha de
ser considerado uma estrela em ascensão no mercado editorial?
Baricco - De alguma maneira,
posso ser. Quando se
começa a escrever,
não se pensa nisso,
não é exatamente o
que se quer, mas às
vezes acontece.
Aconteceu comigo,
mas é estranho. Moro em Turim, uma
cidade que é grande,
mas ao mesmo tempo é pequena, não é
como Milão, Roma,
Paris ou Londres. Dá
para escolher seu jeito de ser uma estrela.
Meu jeito é ficar
quieto, silencioso.
Minha vida não mudou muito, mas em
alguma coisa mudou, já que agora estou ganhando dinheiro.
Folha - E a responsabilidade de ser
considerado um escritor importante?
Baricco - Quando
se tem sucesso, para
mim isso significa liberdade para escrever o que quero,
quando quero e sobre o que quero. Você não se importa
mais, por exemplo,
com os críticos. Eles
passam a ser menos
importantes. É como uma corrida.
Você ganha e acabou. Depois que ela
acaba, é uma outra
história. Agora, para
mim, é uma história
de liberdade e de
prazer de escrever.
Folha - Como sua carreira começou?
Baricco - Escrevo desde os 19
anos, mas nunca havia escrito ficção ou poesia. Fui jornalista, trabalhei em uma editora e em uma
agência de publicidade, sempre escrevendo, mas nunca pensei que
escreveria um romance. Comecei a
escrever ficção quando fiz um roteiro com um amigo sobre Farinelli, cantor de ópera do século 18.
Ganhamos vários prêmios, mas o
filme era caro e nunca foi feito.
Dois anos depois, alguém filmou a
história, mas com um outro roteiro ("Farinelli: Il Castrato", dirigido
por Gérard Corbiau). A partir daí
descobri que podia escrever ficção.
Folha - Em "Mundos de Vidro", o
sr. usa um texto fragmentado, uma
prosa que se divide em várias, sem
linearidade. Já "Seda" é um romance linear. O que mudou entre os
dois romances?
Baricco - Não penso muito quando escrevo. Tenho uma idéia geral,
um cruzamento de histórias. Imagino um livro como algo em que o
autor está no meio e onde todos os
fragmentos se movem em sua direção. O autor é a única força que pode manter unidos estes fragmentos. Este é o jogo.
Tenho várias histórias na minha
cabeça e, para mim, a capacidade
de escrever é pegar as histórias que
estão coladas em mim e trabalhá-las até que se transformem em uma
só história. E eu posso fazer isso
com minha escrita, com minha
técnica.
Folha - Mas em "Seda" não há essa escrita fragmentada.
Baricco - "Seda" é totalmente diferente. Foi a primeira vez que escrevi daquele jeito e acho que foi a
última. Não gosto dele, não gosto
de histórias lineares, onde se começa, se tem o meio, se caminha
passo a passo e se termina. Imagino histórias como lugares por onde se pode entrar por vários caminhos. Não acho interessante uma
história que só tem uma linha. "Seda" é assim.
Achei que deveria tentar pelo
menos uma vez e, para mim, era
necessário manter uma estabilidade, mas só para essa história de fidelidade e traição. Queria ser preciso como um cirurgião, seguindo
um só caminho. Em "City" já volto
ao estilo antigo. É como um jogo,
com muitas peças que se interligam. É um livro cubista.
Folha - Alguns críticos chamam
seu trabalho de literatura pós-moderna. O que o sr. acha da definição?
Baricco - E o que isso significa?
Eu não sei. Quando se chama algo
de pós-moderno, é porque não se
sabe como chamá-lo.
Folha - O sr. prefere ser chamado
de cubista?
Baricco - Li isso em uma crítica
em um jornal americano e acho
que é uma boa definição, um bom
nome para meu trabalho. Outro
crítico, escrevendo sobre "Mundos
de Vidro", disse que eu havia escrito uma "tragédia otimista". É verdade.
Acho que, quando as pessoas não
têm nome para seus trabalhos,
usam a palavra pós-moderno. Pode-se usar essa palavra para várias
coisas. O que sei é
que meus livros parecem escritos há
cem anos, parecem
do século passado,
mas, ao mesmo
tempo, a cada três
linhas pode-se
achar algo que
mostra que eles são
livros de agora.
Folha - Em qual
aspecto? Quando o
sr. lida com as paixões a as tensões
dos relacionamentos, como Jun e Rail
em "Mundos de Vidro" e Hervé Joncour e Helène em
"Seda"?
Baricco - Flaubert
e Balzac também
escreviam histórias
recheadas de paixões e tensões.
Muitas óperas de
Puccini e Verdi
também, mas o modo que escrevo é diferente. Não poderia escrever do jeito
que eu escrevo, dessa forma fragmentada, se não houvesse o cinema. Talvez meu pós-modernismo esteja aí,
escrever sobre o
passado, mas com
instrumentos modernos. Talvez sob
esse aspecto aceito
ser pós-moderno.
Folha - O sr. disse
não gostar de "Seda". Qual é seu romance favorito?
Baricco - É "City", mas também
gosto muito de "Mundos". Foi o
primeiro, eu tinha pouco dinheiro
na época, escrevia à noite quando
voltava do trabalho. Era muito difícil, mas ao mesmo tempo era
muito bonito. Eram duas horas de
paraíso todos os dias. Era o verdadeiro prazer de escrever.
Folha - Ao começar a fazer sucesso, o sr. acha que perdeu o verdadeiro prazer de escrever?
Baricco - Não, é sempre excitante
escrever. Nada mudou. Mas, quando escrevi "Mundos de Vidro",
não havia um editor esperando por
meu livro. Não havia leitores esperando por ele. Então, quando se
decide escrever o primeiro livro,
você decide fazer algo que ninguém pediu.
Isso exige uma grande dose de
paixão, você precisa ser egomaníaco, narcisista. Nesse aspecto é diferente. Agora sei que há um editor
esperando, sei que ele irá vender
meu livro, sei que há leitores esperando. O resto não muda.
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