São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2001

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ANÁLISE

Livros expõem falsidade do cenário folk

Reuters
O compositor, que participou por telão da cerimônia do Oscar


ALLEN BARRA
DA "SALON"

De todas as subculturas musicais americanas dos últimos cem anos, a mais maçante foi o chamado cenário folk centrado nos cafés de Greenwich Village durante os anos 50 e início dos 60.
Qualquer pessoa que já tenha sido sujeita ao farisaísmo da política e à autenticidade fajuta da música daquele tempo e lugar vai adorar ler "Down the Highway: The Life of Bob Dylan", de Howard Sounes, e "Positively Fourth Street: The Life and Times of Joan Baez, Bob Dylan, Mimi Baez Fariña and Richard Fariña", de David Hadju, porque os dois livros expõem o que havia de pretensioso e falso nesse cenário.
O livro de Sounes possui a qualidade definitiva de ser o último que você vai precisar ler sobre Dylan, e o de Hadju é mais abertamente mal-intencionado, logo, mais divertido.
Sounes enfrentou desafios maiores, disso não resta dúvida. É quase certo que já se escreveu mais sobre Bob Dylan do que sobre qualquer outra figura da música popular, e, num primeiro momento, deve ter sido difícil encontrar fatos novos e capazes de despertar interesse.
Mas a paciência e a persistência tiveram sua recompensa, e os interessados vão poder ler sobre o casamento e a família secretos, que Dylan, até agora, tinha conseguido esconder do mundo.
Francamente, porém, nenhuma das informações sobre a família escondida é tão interessante quanto as revelações feitas pelos filhos de Dylan com outras mulheres. Atestam que, sejam quais forem suas falhas como marido, Bob foi um pai bom e dedicado.
Infelizmente, Sounes parece pensar que seu trabalho não é apenas "o desafio de escrever uma grande biografia", mas também o de escrever uma "que transmita toda a grandeza da realização artística de Bob Dylan".
É um erro. Sounes não é crítico, mas fã, e não é capaz de distinguir os bons álbuns de Dylan dos ruins, exceto pelas vendas que tiveram. Resultado: tempo é desperdiçado detalhando quais ex-namoradas ou seguidores na Village inspiraram quais letras venenosas antes que Sounes chegue às partes propriamente biográficas.
Sounes é sincero e persistente em seus esforços para retratar Bob Dylan e o mundo do qual ele surgiu, mas Dylan parece nunca estar presente no livro. Em outras palavras, "Down the Highway" não acontece, principalmente porque Sounes parece não entender a música.
Para lhe dar seu crédito, é verdade que Sounes abre mão de relatar vários dos velhos mitos sobre Dylan, o músico folk. E Bob Dylan nunca foi muito politizado -coisa que ninguém que realmente ouviu aqueles chatos primeiros discos precisa que lhe digam.
Acontece que a maioria dos fãs e dos críticos tiveram medo de tomar suas palavras ao pé da letra quando ele escandalizou Joan Baez, dizendo a ela que escreveu "Masters of War" porque achou que venderia bem.
Devo acrescentar que nenhuma das mentiras de Dylan reveladas em qualquer dos dois livros o diminui de qualquer modo -pelo contrário. Vemos um jovem talentoso ao extremo abrir os braços para o imenso caldeirão da cultura rebelde americana, saboreá-lo, selecionar elementos dele e, com eles, criar uma persona com a qual trabalhar, e o admiramos imensamente por isso.
Um ponto muito a favor de David Hadju é que ele não tem paciência nenhuma com os amigos músicos folk de Bob Dylan ou com os falsos hinos do próprio Dylan, como "Blowin" in the Wind". "Positively Fourth Street" não é apenas sobre Dylan.
É sobre o quarteto glamouroso formado por Dylan, Joan Baez, sua irmã Mimi e o brilhante e enigmático romancista e letrista cubano-irlandês Richard Fariña.
Hadju é mais perspicaz do que Sounes quando comenta a música. Ele observa que a música dita "folk" -ou seja, dos cantores incluídos na "Antologia de Música Folk Americana"- nunca teve intenção de ser "não-comercial". Hadju vai direto ao ponto quando mostra a diferença essencial entre Dylan e o estilo folk cristalino de Baez e seus acólitos.
O resto da história, como todos nós já sabemos, é história. Mas a história pode ser bastante maçante. Se você não se sente fascinado por Bob Dylan desde a era Jimmy Carter, fará melhor em ficar com o livro de Hadju, que deixa Dylan no lugar onde queremos recordá-lo: em Mobile outra vez, com os blues de Memphis.


Tradução Clara Allain

DOWN THE HIGHWAY: THE LIFE OF BOB DYLAN - De: Howard Sounes. Editora: Grove Press. Quanto: R$ 81,68. Onde encontrar: www.livcultura.com.br

POSITIVELY FOURTH STREET: THE LIFE AND TIMES OF JOAN BAEZ, BOB DYLAN, MIMI BAEZ FARIÑA AND RICHARD FARIÑA - De: David Hadju. Quanto: US$ 20. Onde encontrar: www.amazon.com



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