São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 2002

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

"FRANTIC"

Pela primeira vez, artista volta ao som original de sua ex-banda

Bryan Ferry alegoriza o Roxy Music em novo CD solo

DA REPORTAGEM LOCAL

Um passeio rasante pelos agridoces tempos de sua primeira banda, Roxy Music, é o que o inglês Bryan Ferry, 56, se propõe a fazer em seu novo disco solo, "Frantic".
Parece banal, mas agora é necessário lembrar: ele nunca fizera isso, desde pelo menos o encerramento definitivo (em 1982) da banda que mais enxertou arte e glamour no pop e no rock.
"Frantic", que em junho Ferry exibirá ao vivo em São Paulo (dias 18 e 19) e no Rio (22 e 23), é resultado de breve turnê de reunião do Roxy Music, no ano passado.
Aparentemente foi a partir dali que mister sutileza consolidou, para concluir "Frantic", o abandono da estética lo-fi que tem orientado sua carreira solo. Em troca, volta ao rock'n'roll classudo e estiloso que caracterizou sua produção em banda, principalmente no período 1972-75.
Nas faixas (muito Roxy Music) "A Fool for Love", "Goddess of Love" e "San Simeon" está de volta o baterista original do grupo, Paul Thompson, com quem Ferry não trabalhava havia 20 anos.
Acima de tudo, "I Thought", o galante tema de vampiro que encerra o CD, é a primeira composição em parceria entre Ferry e Brian Eno, a outra figura crucial na formulação dos conceitos Roxy. Em 73, Eno deixou a banda brigando com Ferry após dois discos, e não haviam mais produzido juntos. Além de co-autor, ele está nos teclados e nos vocais de fundo da arrepiante "I Thought".
Tais reencontros não significam mera perfumaria, como é tão comum. Mesmo sem convidados "históricos", Ferry tentou mergulhar fundo nos ingredientes originais da fórmula de art rock de sua velha banda.
É por isso que "Frantic" começa com uma versão surpreendente, hiper-roqueira, da antes chorosa "It's All Over Now, Baby Blue" (65), de seu ídolo Bob Dylan. A abertura é de alto impacto, causa medo de que o pique caia logo em seguida.
Não cai. "Cruel", de Ferry com Dave Stewart (dos Eurythmics), é densa e acelerada na busca da reprodução das melhores características kitsch-chique do Roxy Music -um rolo compressor passando sobre dores do passado, do presente e do futuro.
"Goddess of Love", a seguir, é a faixa que mais retrocede no tempo, evocando Marilyn Monroe, Jackie O, Greta Garbo e James Bond para tentar reelaborar o tempo frenético de "Virginia Plain" (72) e outras obras-primas.
"Hiroshima...", inspirada pelo filme "Hiroshima Mon Amour" e contando com a presença de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, estabelece clima dos mais pesados, sem medo de assustar o ouvinte -e essa é outra das definições de art rock.
Mas nada, no CD, se iguala a "A Fool for Love", que tem por introdução um excerto tipo "Avalon" (o derradeiro LP do Roxy, de 82), de tema medieval composto por Ricardo Coração de Leão (!).
No romantismo entre utópico e melancólico de "A Fool for Love", Ferry sublima a síntese entre o lorde glam que liderava o Roxy Music e o senhor sisudo que conduz carreira solo de intérprete sob a mais macia e manhosa das vozes. Olha para o passado, com mais rigor e êxtase que passadismo saudosita.
O resultado releva uma trajetória que vinha cambaleante, alternando flashes de gênio (como em "Taxi", 93, todo feito de covers) e discos de medianos a ruins ("Mamouna", 94, ou "As Time Goes by", 99, também de covers). Focado e concentrado, Ferry corta no pop sua incisão mais precisa em muitos e muitos anos.
E "Frantic", é hora de dizer agora, apenas tenta reencenar as glórias do Roxy Music -não consegue, nem deveria. Que coisa.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Frantic     
Artista: Bryan Ferry
Lançamento: Virgin/EMI
Quanto: R$ 25, em média




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