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Fragmentos de amor
Convidados a escrever cartas
de amor para coletânea, autores renomados como Margaret Atwood e Neil Gaiman buscam alternativas ao romantismo
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
"Espero que você não se importe com o fato de eu ter reenviado aquele primeiro e-mail
mais algumas vezes no final de
semana", insiste, à beira da
neurose, uma mulher na expectativa por uma resposta romântica que não chega à sua caixa
de entrada do Gmail.
As palavras foram escritas
pela premiada autora americana Lionel Shriver (de "Precisamos Falar sobre Kevin"), fazem
parte de uma coletânea de cartas de amor e, é bom esclarecer,
são ficcionais.
Os organizadores do recém-lançado "Carta para Você - Declarações de Amor em Tempos
Modernos" (Alfaguara) convidaram nomes destacados da literatura contemporânea a testarem seus talentos no antiquíssimo formato da correspondência amorosa.
Esse, pode-se dizer, arriscado exercício literário -escrever declarações em pleno século 21- teve resultados como a
canadense Margaret Atwood,
vencedora do Booker Prize, assinando um texto em que cupido (com "ampla experiência"
em "pedofilia, fetichismo, zoofilia e mais!") cobra por seus
préstimos milenares.
E o americano Chris Bachelder, colaborador da descolada
editora McSweeney's, bancando uma "pedagoga do amor"
que recomenda um "dotado"
aprendiz a "qualquer colocação
relacionada ao amor -profissional, acadêmica ou pessoal".
E ainda o quadrinista Neil
Gaiman, o cantor Leonard Cohen e mais 41 autores em textos
em que o ideal romântico é
construído ou desconstruído
sem dó -as alternativas encontradas pela maioria para fugir
do sentimentalismo chamaram
a atenção de Rosalind Porter,
editora da revista literária britânica "Granta" e organizadora,
com o escritor Joshua Knelman, de "Carta para Você".
"Sabíamos que muitos evitariam o romantismo, mas talvez
esperássemos algo mais... otimista", ela diz à Folha por telefone, de Londres. "É que, de fato, ler sobre o amor pode ser
um bocado entediante."
Entediante ao ponto de assustar, de cara, todos os homens convidados a participar.
Quem quebrou o gelo foi o
americano Jonathan Lethem,
vencedor do National Book
Critics Circle Award e de uma
das bolsas "de gênio" da Fundação MacArthur. Depois de
sua carta, em que Marte diz à
Terra "sou melhor que você em
todos os sentidos", outros escritores foram seduzidos. "Eles
notaram que podiam, sei lá, falar de montanhas", diz Porter.
As mulheres, mais receptivas, também evitaram as armadilhas do formato. Um dos
mais intensos textos, assinado
pela americana Francine Prose, é uma elaboração sobre o
que Felice Bauer, namorada de
Franz Kafka, teria escrito ao
descobrir, nos diários dele, que
ele a considerava "frívola".
Sobra, enfim, algum espaço
para o derramamento amoroso
-o maior deles, aliás, assinado
por um homem: "Você vai me
deixar. Sei que vai me deixar.
Como deixou Laporte", começa a carta de Leonard Cohen.
Vendido nos EUA, no Reino
Unido e no Canadá, o livro foi
traduzido para dez países, com
escritores locais em alguns deles. Para a versão brasileira, foram convidados Xico Sá, Adriana Lisboa, Martha Medeiros e
Miguel Sanches Neto. Da versão original foi mantido um
certo "anônimo" -na verdade,
o autor é conhecido, mas, diz
Porter, "até agora nenhum leitor descobriu quem é".
CARTA PARA VOCÊ
Organização: Joshua Knelman e Rosalind Porter
Tradução: Ângela Pessoa
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 39,90 (272 págs.)
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