São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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Fragmentos de amor

Convidados a escrever cartas de amor para coletânea, autores renomados como Margaret Atwood e Neil Gaiman buscam alternativas ao romantismo

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

"Espero que você não se importe com o fato de eu ter reenviado aquele primeiro e-mail mais algumas vezes no final de semana", insiste, à beira da neurose, uma mulher na expectativa por uma resposta romântica que não chega à sua caixa de entrada do Gmail.
As palavras foram escritas pela premiada autora americana Lionel Shriver (de "Precisamos Falar sobre Kevin"), fazem parte de uma coletânea de cartas de amor e, é bom esclarecer, são ficcionais.
Os organizadores do recém-lançado "Carta para Você - Declarações de Amor em Tempos Modernos" (Alfaguara) convidaram nomes destacados da literatura contemporânea a testarem seus talentos no antiquíssimo formato da correspondência amorosa.
Esse, pode-se dizer, arriscado exercício literário -escrever declarações em pleno século 21- teve resultados como a canadense Margaret Atwood, vencedora do Booker Prize, assinando um texto em que cupido (com "ampla experiência" em "pedofilia, fetichismo, zoofilia e mais!") cobra por seus préstimos milenares.
E o americano Chris Bachelder, colaborador da descolada editora McSweeney's, bancando uma "pedagoga do amor" que recomenda um "dotado" aprendiz a "qualquer colocação relacionada ao amor -profissional, acadêmica ou pessoal".
E ainda o quadrinista Neil Gaiman, o cantor Leonard Cohen e mais 41 autores em textos em que o ideal romântico é construído ou desconstruído sem dó -as alternativas encontradas pela maioria para fugir do sentimentalismo chamaram a atenção de Rosalind Porter, editora da revista literária britânica "Granta" e organizadora, com o escritor Joshua Knelman, de "Carta para Você".
"Sabíamos que muitos evitariam o romantismo, mas talvez esperássemos algo mais... otimista", ela diz à Folha por telefone, de Londres. "É que, de fato, ler sobre o amor pode ser um bocado entediante."
Entediante ao ponto de assustar, de cara, todos os homens convidados a participar. Quem quebrou o gelo foi o americano Jonathan Lethem, vencedor do National Book Critics Circle Award e de uma das bolsas "de gênio" da Fundação MacArthur. Depois de sua carta, em que Marte diz à Terra "sou melhor que você em todos os sentidos", outros escritores foram seduzidos. "Eles notaram que podiam, sei lá, falar de montanhas", diz Porter.
As mulheres, mais receptivas, também evitaram as armadilhas do formato. Um dos mais intensos textos, assinado pela americana Francine Prose, é uma elaboração sobre o que Felice Bauer, namorada de Franz Kafka, teria escrito ao descobrir, nos diários dele, que ele a considerava "frívola".
Sobra, enfim, algum espaço para o derramamento amoroso -o maior deles, aliás, assinado por um homem: "Você vai me deixar. Sei que vai me deixar. Como deixou Laporte", começa a carta de Leonard Cohen.
Vendido nos EUA, no Reino Unido e no Canadá, o livro foi traduzido para dez países, com escritores locais em alguns deles. Para a versão brasileira, foram convidados Xico Sá, Adriana Lisboa, Martha Medeiros e Miguel Sanches Neto. Da versão original foi mantido um certo "anônimo" -na verdade, o autor é conhecido, mas, diz Porter, "até agora nenhum leitor descobriu quem é".


CARTA PARA VOCÊ
Organização: Joshua Knelman e Rosalind Porter
Tradução: Ângela Pessoa
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 39,90 (272 págs.)


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