São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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Bem-vindo ao século 20

Ministère de la Culture - France/AAJHL
Imagem de uma corrida na França


Fotógrafo que sublimou as mulheres, Jacques-Henri Lartigue é tema de retrospectiva

ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Brasília terá amanhã a rara oportunidade de esquecer um pouco a frieza das formas modernistas e a ditadura de sua vida engravatada. Chega à cidade a maior exposição já realizada na América Latina do francês Jacques-Henri Lartigue, talvez o maior fotógrafo do século 20 quando o assunto é leveza temática e fruição estética.
A mostra sobre Lartigue ocorre no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal. É a cereja do bolo do Foto Arte 2004, festival de fotografia que acontece pelo segundo ano na cidade, colocando-a momentaneamente num circuito geralmente reservado ao eixo São Paulo-Rio. Hoje à noite é a abertura oficial da exposição, para convidados. A partir de amanhã para o público, com entrada franca, ela segue até 1º de agosto.
O evento faz uma retrospectiva com 161 fotos de Lartigue. Registradas de 1899 até 1983, as imagens foram divididas em dois segmentos: "Moi et les Autres" (Eu e os Outros) traz o círculo de amigos e conhecidos do artista, e "Photopoche", uma série de imagens em tamanho reduzido.
Nascido em 1894 em uma rica família francesa, Lartigue começou a fotografar aos seis anos usando a câmera do pai. Sua diversão era registrar o cotidiano familiar. Ao retratar o meio em que vivia, Lartigue reproduziu como poucos a vida burguesa no início do século passado. O interesse da mãe pela alta-costura levou Lartigue ao mundo da moda e das belas mulheres. Já a paixão do irmão pela aviação o fez registrar, em uma França que idolatrava Santos-Dumont, as peripécias de amigos tentando voar em 1911.
Não há tristeza nas imagens. "O que me interessa é o agora; você pode achar alguma coisa em cada dia para lhe dar prazer", disse certa vez. Suas fotografias são um mergulho em um mundo de ilusão e glamour nas redondezas de Paris e na Riviera Francesa. Sem pobreza, estresse ou preocupações de trabalho, a vida registrada pelo fotógrafo guarda espaço apenas para sol, mar e mulheres.
Lartigue escapou também de contato mais direto com a principal experiência formativa de seu tempo, a Primeira Guerra Mundial (1914-18). O motivo foi prosaico: era franzino demais, com apenas 57 kg, e foi dispensado do Exército. No ano em que a guerra estourou, significativamente comprou seu primeiro carro -uma paixão perene, como as fotos de corrida da exposição mostram, uma delas com o lendário Juan Manuel Fangio.
As imagens eram preservadas como parte de um diário pelo fotógrafo, que sempre considerou a pintura sua verdadeira vocação. Enquanto a França se digladiava no fronte ocidental, em 1915 ele entrou na renomada Academia Jullian, e seus quadros percorreram exposições em todo o país.
Em suas notas, Lartigue escrevia passagens intimistas e relatava episódios como o encontro com a modelo Renée Perle, em 1930. Ela acabaria se tornando sua companheira por dois anos.
"Bon vivant", Lartigue fotografou suas mulheres em abundância. Renée aparece em diversas fotografias da exposição em Brasília. Há também, nas coleções, imagens da primeira mulher, Bibi, e Florette, que conheceu em 1942 e se tornou sua companheira pelo resto da vida -Lartigue morreu em 1986.
A série "Photopoche" começa com retratos da infância em família -um deles feito pelo pai, em que Lartigue aparece segurando uma câmera. Mostram também a França festeira do entre-guerras.
Já o segmento "Moi et les Autres" é mais personalista, concentrando fotos mais tardias do artista. Ali aparecem, em cenas caseiras, amigos famosos de Lartigue, como Sacha Guitry, Jean Cocteau e um Pablo Picasso sem camisa.
As imagens que estão no Brasil fizeram parte da retrospectiva do fotógrafo realizada no ano passado no centro Georges Pompidou, em Paris. Chegaram ao Brasil 171 fotos, mas a organização deixou dez delas de fora. Segundo Karla Osório Netto, idealizadora do Foto Arte, a exposição segue de maneira rigorosa a estrutura indicada pela Fundação Lartigue.
O trabalho fotográfico de Lartigue teve reconhecimento tardio. Ele já estava com 69 anos quando uma retrospectiva no MoMA de Nova York deu a ele lugar entre os grandes fotógrafos do século. Lartigue fez trabalhos para o cinema: trabalhou com Fellini e Truffaut.

JACQUES-HENRI LARTIGUE. Onde: Centro Cultural Caixa Econômica Federal (SBS, Quadra 4, Edifício Sede). Quando: de amanhã a 1º/8. Quanto: grátis.


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