São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Em casa, com Drummond

Redescobrimos como a inteligência e a sensibilidade sempre disputaram a primazia na lírica do autor

A COMPANHIA da poesia drummondiana não é novidade na caminhada crítica de Alcides Villaça, professor titular de literatura brasileira na Universidade de São Paulo, que, aos 30 anos, há exatos 30 anos, defendia uma dissertação de mestrado, ainda inédita, sobre esse autor.
Hoje, "Passos de Drummond", exame abrangente dos "caminhos históricos e estéticos percorridos pelo poeta", reúne os melhores frutos desta longa convivência, vivida sob o signo de uma paradoxal combinação entre "proximidade afetiva e distância crítica".
A fórmula, precisa, descreve o movimento que enlaça o poeta mineiro ao mundo, mas vale também para a natureza do vínculo, persistente e nada apressado, entre aquela poesia e a escrita deste apurado leitor.
Trata-se de uma paciência crítica, contudo, que não abdica de tensão, mas se revela o análogo da poesia inquieta que investiga. De ensaio a ensaio, seguindo as marcas do tempo e da experiência na expressão do poeta, somos levados a redescobrir, nas admiráveis análises de poemas-chave ("Poema de Sete Faces", "O Elefante", "A Máquina do Mundo" ou "Coleção de Cacos", por exemplo), distribuídos desde a estréia até a publicação póstuma, como a inteligência e a sensibilidade sempre disputaram, dramaticamente, a primazia na lírica do autor.
O eixo de investigação não é inédito: entronca na tradição das melhores respostas à poesia de Drummond, desde Mário de Andrade. A novidade aqui está na conjunção entre uma obsessiva busca pelo específico, jamais descolada do texto e suas ressonâncias simbólicas, e uma visada própria e meditada, que não hesita em tomar partido nem desiste de examinar a obra em seu arco total. Sua leitura nunca é avulsa.
Assim, em "Primeira Poesia", desde logo um dos pontos altos do volume, palmilhando o "Poema de Sete Faces", consegue a um só tempo dar inédito lastro ao surrado lugar-comum gauchismo do poeta, discutir a adesão reticente de Drummond ao nacionalismo embutido no pacote modernista, além de evidenciar, já em "Alguma Poesia", a presença discreta de veios importantes da lírica posterior.
Da estréia à poesia engajada da década de 40, Villaça defronta-se com poema igualmente célebre e estudado, "O Elefante", figuração do encontro hostil entre o artista e o mundo moderno, em que a "problemática construção [dos mitos] entre os alaridos e a reificação geral" ganha formulação drummondiana exemplar.
Como no caso de "A Máquina do Mundo", núcleo do ensaio seguinte, dedicado à dita guinada classicizante do poeta, a afirmação enfática da aposta drummondiana na integridade (ainda que precária) responde pela riqueza e singularidade de sua interpretação.
Não se poderia esperar menos de crítico tão agudo e discreto, completamente em casa entre os versos de Drummond.


PASSOS DE DRUMMOND     
Autor: Alcides Villaça
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 45 (146 págs.)


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