São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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Crítica/ensaios

Picasso e Disney são vítimas da selvageria de estilo de Paul Johnson

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Lê-se "Os Criadores", de Paul Johnson, com muito interesse e com doses crescentes de espanto. O jornalista e historiador inglês, conhecido por sua agressividade ultraconservadora e admirável capacidade de organizar e dar sentido à massa de informações que sabe reunir, oferece vários perfis de "homens e mulheres de excepcional originalidade". Começa com o poeta Geoffrey Chaucer (c. 1342-1400), passa por Bach, Dürer e Victor Hugo, além dos inevitáveis Shakespeare e Wagner, e depois de tratar dos costureiros Balenciaga e Dior chega a um "grand finale" sobre Picasso e Walt Disney.
"Uma comparação entre ambos", assevera o autor no começo do capítulo 14, "revela-se bastante instrutiva". Picasso é freguês antigo das diatribes de Johnson, que escreveu em 1995 um ensaio mandando o mestre para o Inferno, depois recolhido no volume "To Hell with Picasso and Other Essays". Ele volta à carga neste livro, com uma selvageria de pensamento e de estilo que não pode ser integralmente creditada à sofrível tradução. Alguns exemplos.
"O fato de o cérebro de Picasso não ser acadêmico não diminui sua força, reforçando sua capacidade de pensar com enorme clareza e astúcia. Picasso era essencialmente um designer da moda." Explicar quem foi Jean Cocteau, e seu papel no prestígio de Picasso, seria tarefa complexa; Johnson despacha uma única frase entre parênteses: Cocteau foi "o Andy Warhol de sua época".
Aliás, "os admiradores mais apaixonados" de Picasso "sempre foram os homossexuais". E a comparação com Disney?
Aqui vai: "Picasso havia, de fato, transformado corpos e rostos de suas mulheres e modelos em caricaturas, personagens de desenhos cubistas, animados pelo desprezo e pelo ódio. Mas Disney produzira um camundongo animado pela admiração de seus truques e até por amor". Além disso, Mickey era uma espécie de auto-retrato do autor "como eram algumas cabeças distorcidas de Picasso em 1915-1925 e mesmo depois".
Coisas desse tipo não impedem que o ensaio seja bastante informativo sobre as invenções de Disney na técnica da animação. O enfoque prático e técnico de Johnson garante páginas de grande interesse: os procedimentos de Dürer como gravurista, os segredos dos tecidos de Balenciaga ou da técnica organística de Bach são abordados de forma compreensível e exigem menos paciência do que as opiniões do autor.


OS CRIADORES   
Autor: Paul Johnson
Tradução: Ana Beatriz Rodrigues
Editora: Campus/Elsevier
Quanto: R$ 49 (328 págs.)


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