São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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Crítica/entrevistas

"Novíssimos" apresentam angústia da filosofia pós-68

LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A filosofia é uma disciplina com múltiplas vocações: a universidade, o cemitério, o mosteiro, o mercado. Quando fica restrita a um desses espaços, sai perdendo, ou em consistência, ou em profundidade, ou em sutileza.
Sabe-se que a filosofia "está na moda" nos jantares chiques, mas isso, a priori, não precisa ser visto como uma traição à filosofia, porque mesmo a universidade a trai o tempo todo em nome da burocracia da objetividade.
O livro de Sébastien Charles "Comte-Sponville, Conche, Ferry, Lipovetsky, Onfray, Rosset - É Possível Viver o que Eles Pensam?" (título lamentável), da Barcarolla, é uma boa opção para quem quiser entrar em contato com alguns dos filósofos franceses em atividade depois da derrocada das "fórmulas" que abraçavam ou o marxismo, ou a psicanálise, ou o existencialismo como modos de redenção (pós)moderna em meio aos escombros de Deus. O autor consegue apresentar e entrevistar esses autores de modo consistente e claro, virtude necessária para uma filosofia que quer transitar entre o claustro e o mundo.
A maioria dos autores contemplados é conhecida da grande mídia, talvez com exceção de Clément Rosset (um trágico alegre à la Nietzsche) e Marcel Conche (um helenista materialista). Trata-se de filosofias que, ainda que diferentes nos problemas que discutem e nas "soluções" que apontam, superaram Maio de 68 e suas manias de que somos todos alienados para além de qualquer possibilidade de cura (ainda que a temática da cura permaneça assombrando a todos).
Outra característica comum seria uma preocupação com a recusa do estilo hermético dos estruturalismos marxistas desconstrucionistas. Nossos "novíssimos filósofos" escrevem e falam para muitas pessoas e não apenas para os "imortais".
Há em todos uma tendência para uma filosofia da finitude e seus desdobramentos típicos, como angústia, hedonismo, materialismo, liberdade absurda, revolta ou simples aceitação da crueldade (beleza?) do real.
Pessoalmente não concordo com a identificação de Lipovetsky como um tocquevilliano: ainda que o indivíduo seja "celebrado" em Tocqueville como função antidespotismo da maioria, não me parece que o aristocrata francês "celebre" tanto o nascente mundo do individualismo materialista como o sociólogo antiidealista de Grenoble parece "celebrar"; pelo contrário, Tocqueville aponta o materialismo como um risco da democracia, ao lado de sua tendência para a mediocridade prática. Da ecologia à política, da ética à sexualidade, o foco é a (in)felicidade e suas práticas, numa vida que deve ser re-significada a cada café da manhã.


LUIZ FELIPE PONDÉ é professor do departamento de teologia da PUC-SP e da Faap e autor de "Conhecimento na Desgraça" (Edusp)

COMTE-SPONVILLE, CONCHE, FERRY, LIPOVETSKY, ONFRAY, ROSSET - É POSSÍVEL VIVER O QUE ELES PENSAM?    
Autor: Sébastien Charles
Tradução: Maria Lucia Machado
Editora: Barcarolla
Quanto: R$ 38 (220 págs.)


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