São Paulo, sábado, 24 de julho de 2004

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Vidas secas

Juan Rulfo
A fotografia "Ginete" (sem data), de Juan Rulfo, que está no catálogo "México: Juan Rulfo Fotógrafo" (ed. Lunwerg, de Madri)


Um dos maiores clássicos latinos, mexicano Juan Rulfo revive no Brasil em nova edição de suas obras

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Muitos anos depois, diante de qualquer pelotão de fuzilaria da literatura mundial, Juan Rulfo é lembrado como o homem que levou a América Latina a conhecer suas chamas literárias.
Com apenas uma dupla de livros pequenos, publicados nos anos 50 e com o intervalo de dois anos, este mexicano da nanica Sayula cravou-se nos planaltos da ficção universal como uma daquelas pirâmides astecas, gigantes, estranhas e silenciosas.
Os ecos de "Pedro Páramo", seu único romance, safra 1955, podem ser ouvidos atualmente na Tailândia e na Noruega, na Coréia e em Israel, países que estão lançando este ano novas edições do livro; seus ecos correm soltos na França, onde um jornal como o "Le Monde" publicou anteontem um artigo de um dos principais escritores marroquinos sobre sua paixão por esta obra de 127 páginas; seus ecos voltam com toda sua força ao Brasil.
A editora Record está lançando esta semana, em um volume só, os dois filhos únicos do escritor nascido em 1917 e morto em 1986.
Além de "Páramo", o livro tem os contos de "Chão em Chamas", que já por seu título dá idéia da intimidade do tradutor dessa nova coletânea de Rulfo com vida & obra do autor mexicano.
Se em versões brasileiras anteriores a coleta ganhara o título de "O Planalto em Chamas", na nova é mantida a aliteração do nome original, "El Llano en Llamas".
Eric Nepomuceno, escritor e jornalista, responsável pela nova tradução, não conheceu de cabo a rabo apenas os escritos de e sobre Rulfo. Amigo pessoal do escritor, chegou até a morar em um apartamento dele no México do final dos anos 70.
Nesse terreno privilegiado, chegou a assistir uma veneração especial aos escritos rulfianos. Amigo de Gabriel García Márquez, de quem também é tradutor, Nepomuceno foi encarregado pelo autor de "Cem Anos de Solidão" de organizar um encontro dos dois.
"Gabo sempre dizia e sempre diz que Juan Rulfo salvou sua vida de escritor, em um momento em que não sabia para onde levar sua literatura", conta Nepomuceno.
Uma das principais estudiosas da literatura latino-americana do Brasil, Bella Jozef já testemunhou em diversos ensaios como Rulfo "salvou a vida" e mudou o rumo das obras de boa parte do que se fez no continente.
"Ele é um divisor de águas, como Borges, García Márquez, Cortázar", diz à Folha a professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um dos divisores de águas mais secos da história da literatura, diga-se de passagem. "Ele tem a secura de Graciliano Ramos e o lirismo de Manuel Bandeira", diz Nepomuceno.
Autor de palavras contadas, precisas, Rulfo deixou secar sua fonte muito cedo. Depois de publicar "Chão em Chamas", em 1955, não escreveu mais nada. "Só "escrevia" fotografando ou contando histórias aos amigos", diz o tradutor. "Ele me dizia que tentava, tentava e não saía mais nada no papel." Não precisou. Como diz Jozef, "ele é um clássico no sentido total do termo". "Seus seres são regionais e universais, pois ele reescreve o mito da viagem, a procura da origem", fala.
A viagem de Juan Preciado em busca do pai, Páramo, que andava meio esquecida por aqui, volta a trazer a chama a nossas livrarias.

PEDRO PÁRAMO E O CHÃO EM CHAMAS. Autor: Juan Rulfo. Tradução e prefácio: Eric Nepomuceno. Editora: Record. Quanto: R$ 44,90 (400 págs.).


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