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RODAPÉ
O cosmorama fractal de Horácio Costa
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Fracta" é uma antologia
da produção poética de
Horácio Costa, com textos extraídos de "28 Poemas 6 Contos"
(1981), "Satori" (1989), "O Livro
dos Fracta" (1990), "The Very
Short Stories" (1991), "O Menino
e o Travesseiro" (1994) e "Quadragésimo" (1999), além de poemas até agora inéditos em livro.
Trata-se de boa oportunidade
para se ter uma visão do conjunto
de uma obra que traz para a poesia brasileira duas fortes contribuições: uma reflexão sobre a história contemporânea e uma dicção marcada pela narratividade.
Na verdade, esses dois elementos se determinam mutuamente,
não sendo possível separá-los: o
gosto pela frase longa, pelo raciocínio complexo, predispõe a poesia de Horácio Costa a acolher temas incompatíveis com poéticas
fragmentárias.
Ele não apenas expõe as fraturas
da modernidade (tal como vemos
nos instantâneos alucinados de
Régis Bonvicino ou nas elipses
irônicas de Francisco Alvim), mas
procura estabelecer pontes entre
realidades distantes, causalidades
e contigüidades que pedem a dilatação do poema no espaço físico
da página.
Seria impossível ignorar as relações entre sua experiência mexicana (Horácio Costa viveu a
maior parte da maturidade literária como professor da Universidade Autônoma do México) e a
tradição do poema longo latino-americano. Aliás, num dos textos
críticos publicados ao final do volume (que reúne ainda ensaios de
autores como Severo Sarduy e José Saramago), o romancista Milton Hatoum nota as semelhanças
estruturais entre "Musa em Cancún" e o poema "Blanco" de Octavio Paz.
Mas é preciso destacar o modo
bastante singular com que Costa
se apropria dessa tradição poética
discursiva. Dois exemplos: "O
Menino e o Travesseiro", espécie
de "Viagem ao Redor de Meu
Quarto" de um garoto que recapitula seu romance familiar e a história de sua cidade; e o poema
"Quadragésimo", paráfrase de "A
Máquina do Mundo", de Drummond (e, por extensão, dos "Lusíadas" de Camões), em que esse
momento-chave do modernismo
brasileiro se desdobra num momento de crise e clímax da escrita
autobiográfica.
É uma poesia, enfim, que alia
um sentido cósmico -com várias referências à mitologia, à natureza e a um tempo cíclico que
engole o sujeito (como podemos
ler em "Vinte Anos Depois")- a
um registro afetivo, memorialístico e, por esse viés, irônico e anti-retórico.
"Micropaisagens, não micropolíticas", escreve ele num dos inéditos de "Fracta". Ou seja, apesar
das várias referências a uma temática homoerótica, a reflexão de
Horácio Costa sobre a história
não se refugia em particularismos
ideológicos e, mesmo sendo microscópica, compõe um "cosmorama" (segundo expressão de Jorge Lima na epígrafe de "O Menino
e o Travesseiro").
Mas também podemos falar em
cosmopolitismo no caso desse
poeta em que a experiência contemporânea surge tanto nas cidades interioranas brasileiras quanto nas ruas de São Paulo, Nova
York ou Roma, emerge dos versos
de Cabral e Elizabeth Bishop, dos
quadros de Cézanne, Mondrian e
Tápies.
Exemplar, nesse sentido, é o
poema "Marat", em que a imagem do revolucionário francês
apunhalado numa banheira (eternizada pelo quadro de David),
serve como meditação pós-utópica sobre a violência das engrenagens históricas.
Por ser uma antologia, o livro
apresenta grande diversidade -e
os poemas de "O Livro dos Fracta" contradizem, até certo ponto,
o que foi dito acima, pois obedecem a uma lógica de "fragmentista" que faz com que a concisão
equivalha a um hermetismo conseqüente com a "geometria do
caos" proposta pelo físico francês
Benoît Mandelbrot (e explicada
em ensaio de Irlemar Chiampi).
No conjunto, todavia, "Fracta"
conjuga a agudeza crítica do barroco brasileiro (como nos sonetos
"Poema" e "História Natural")
com valores do neobarroco latino-americano (a não-linearidade
e a simultaneidade dos poemas
em prosa "The Very Short Stories"), mostrando que a crise da
representação não significa, necessariamente, perda do poder de
reflexão.
Fracta - Antologia Poética
Autor: Horácio Costa
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 38 (280 págs.)
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