|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/literatura
Rowling vai ao auge com último Potter
Autora põe fim à saga do bruxo adolescente com livro sombrio, sofisticado em referências e inacreditavelmente adulto
LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO
Não foi só Harry Potter e
seus leitores que amadureceram no vácuo
de dez anos entre o lançamento
do primeiro livro da série,
"Harry Potter e a Pedra Filosofal", e o último, "Harry Potter e
as Relíquias da Morte". No catatau despejado nas livrarias no
primeiro minuto do último sábado (horário britânico), maturou também a escrita de
J.K.Rowling.
Inventiva porém pueril nos
dois primeiros livros, adolescente, ainda que habilidosa, no
terceiro, no quarto e no quinto,
política -e incrivelmente prolixa- no sexto, Rowling, no seu
último intento, que ganha versão em português em novembro, achou o ponto para onde
convergem fantasia, aventura,
mitologia e uma densidade psicológica de que carecem muitos "livros adultos".
Poucos estiveram lá, mas a
companhia tem peso -Lewis
Carroll ("Alice no País das Maravilhas"), Robert Louis Stevenson ("O Médico e o Monstro" e "A Ilha do Tesouro"), L.
Frank Baum ("O Mágico de
Oz") e, dirão alguns, J.R.R.Tolkien (a trilogia do Anel). Row-ling recorreu a todas essas fontes e a dezenas de outras com
uma destreza impressionante
para costurar referências e prover-lhes uma cara nova. Da mitologia greco-romana a Hollywood, e, com um quase-brilhantismo, à história contemporânea (nazismo, terrorismo,
tudo sutilmente ali).
Sarcástica e sombria a escritora (britânica) sempre foi, mas
as duas características que
cresceram em progressão geométrica durante a série desembocam neste último volume de
forma avassaladora. Ao contrário do que ocorreu em seus predecessores, "Relíquias da Morte" não deixa espaço para lamentos, dramas adolescentes,
sentimentalismo fora de hora.
Rowling é fria na condução
dos destinos de seus personagens -a contagem de mortos
ilustres, muitos deles queridos
pelo leitorado, entra nos dois
dígitos. Tampouco há comiseração na hora de demolir imagens que ela tão trabalhosamente construiu para serem adoradas ou odiadas, invertendo papéis, incluindo nuances,
expondo fraquezas, explorando
vacilos. Revelações e respostas
cascateiam pelos capítulos,
mas ela os amarra de maneira
tão sutil que a história continua
a fluir com a mesma leveza de
antes, como se tudo fosse claro,
óbvio desde o primeiro instante. Sente-se quase nada do temido ar de folhetim, com suas
respostas esdrúxulas e apressadas de último capítulo.
Encerrada a saga, a força simbólica das histórias de Rowling
não deve ganhar a dimensão de
coelhos brancos, poções que separem o lado bom do lado ruim,
anéis do poder. Mas a fantástica Hogwarts e seus complexos
personagens certamente terão
seu lugar no imaginário desta
geração e, muito provavelmente, das próximas.
AVALIAÇÃO: ótimo
Texto Anterior: Fernando Bonassi: Necrológio Próximo Texto: Último livro da série deve bater recordes Índice
|