São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2000


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TEATRO
Filho caçula do dramaturgo adapta crônicas de "A Vida Como Ela É" na peça que estréia hoje para o público no Rio
"Momentos-Beijos" sela 20 anos sem Nelson

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Da dir. para a esq., Nelsinho, a viúva Elza, a neta Cristiane e a gata Fofinha no apartamento do Leme, onde Nelson Rodrigues (1912-80) passou os últimos anos de vida


VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Ele era um beijoqueiro. "Beijava feito um passarinho, não como um desentupidor de pia", afirma Elza Rodrigues, 82, a viúva do autor de "Beijo no Asfalto" (60).
"O verdadeiro defloramento é o primeiro beijo na boca", disse Nelson Rodrigues (1912-80). E o próprio não cessava de beijar Elza dentro de casa, como nos corredores do apartamento do Leme, na zona sul do Rio, onde ele passou os últimos anos de vida.
O tocar com os lábios, e suas consequências, constitui o mote do espetáculo "Momentos-Beijos de Nelson Rodrigues", projeto do caçula do autor, Nelson Rodrigues, filho, 55, mais conhecido como Nelsinho.
É um dos principais eventos em torno dos 20 anos da morte do dramaturgo, em 21 de dezembro de 1980.
A montagem estreou ontem (quando o dramaturgo faria 88 anos) para convidados, no Conjunto Cultural da Caixa, no Rio.
Nelsinho e Braz Chediak adaptaram sete crônicas da coluna "A Vida Como Ela É", publicada no jornal carioca "Última Hora", entre os anos 50 e 60. Todas têm em comum o beijo como elemento deflagrador das histórias que, invariavelmente, terminam em tragédias suburbanas.
O filho, que também assina a direção, prefere não revelar o conteúdo das crônicas que escolheu entre as cerca de 2.000 publicadas na coluna, "para não quebrar a surpresa do espectador".
Elas se passam numa casa, no escritório ou no bar, por exemplo. Do cenário à atuação, o tom é realista, "para mostrar as coisas e as pessoas como elas são".
"Sempre com as palavras do velho na minha cabeça -ele dizia que sua obra era uma meditação sobre o amor e a morte-, eu tomei a liberdade de transformá-lo numa espécie de narrador que vai costurando as histórias", diz.
Quem interpreta o personagem central é Cláudio Marzo, o mesmo que protagonizou "A Serpente" em 80, na última estréia conferida pelo dramaturgo.
Nelsinho diz que se inspirou na relação com o pai, sobretudo no período em que ele, o filho, foi preso nos anos 70, em pleno regime militar, por causa da militância.
"O velho madrugava horas ouvindo sempre as mesmas músicas, uma ópera ou um Lupicínio Rodrigues, por exemplo", afirma.
"Momentos-Beijos" comete um encontro de gerações no palco. Além das crônicas do pai e da direção do filho, o elenco traz a neta do autor, Cristiane Rodrigues, 21, filha de Nelsinho que cursa o primeiro ano de artes cênicas.
A montagem também incorpora ilustrações originais do irmão de Nelson Rodrigues, Roberto, assassinado por uma grã-fina com um tiro no peito, em plena redação, quando o dramaturgo tinha 17 anos -episódio que o marcaria de forma avassaladora.
Voz cavernosa e fortes olheiras são indícios mais explícitos da herança paterna em Nelsinho. A longa barba, que cultiva desde 79 -"já virou roupa"-, ofusca-lhe o rosto e não entrega, na aparência, os traços do pai.
Com o irmão Joffre e a mãe Elza, eles controlam os direitos autorais em torno da obra do dramaturgo, sempre avalizados pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat), no Rio.
Também sob coordenação de Nelsinho, está previsto para outubro (data a confirmar) o projeto para lembrar os 20 anos da morte de Nelson Rodrigues. O evento integra o calendário de 50 anos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Entre as atrações, estão montagens de peças brasileiras recentes e a exibição dos 22 filmes baseados em textos do autor.


Peça: Momentos-Beijos de Nelson Rodrigues Direção: Nelson Rodrigues, filho Com: Bete Mendes, Luiz Furlanetto, Claudia Apóstolo e outros Quando: de qui. a dom., às 20h. Até 24/9 Onde: Conjunto Cultural da Caixa -°teatro Nelson Rodrigues (av. Chile, 230, centro, tel. 0/xx/21/262-0942) Quanto: R$ 10 Patrocinador: Infraero



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