São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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MÚSICA

Algumas canções de "Vespertine" foram feitas durante as filmagens de "Dançando no Escuro"

"Novo disco é pleno de silêncios", diz Björk

ALEXIS BERNIER
DO "LIBÉRATION"

Ela nos recebe com uma espécie de mesura, meio pirueta, meio genuflexão, uma forma de saudação que desarma logo de entrada.
Björk é um desses artistas que não gostam muito de dar entrevistas, mas trabalham com seriedade nelas. Em Londres, em meio aos ensaios para sua turnê, ela responde com vivacidade ("desculpe, bebi muito café"), lambendo os lábios e se retorcendo na cadeira. São poses acrobáticas, felinas.

Pergunta - Como você vive esse período de intensa promoção que acompanha o lançamento de um novo disco?
Björk -
Devo admitir que tenho pressa de retomar as gravações. Perder-me no trabalho é um dos traços da minha personalidade. Paradoxalmente, é nesses momentos que sou mais generosa, mais aberta aos outros. Quando um ciclo de composição se encerra, sinto uma ruptura dolorosa. Isso posto, fiquei muito tocada pela acolhida elogiosa a "Vespertine". Estaria mentindo se dissesse que não adoro o sucesso.

Pergunta - As fotos e os vídeos contribuem para criar um personagem Björk, como o Ziggy Stardust de David Bowie no passado. Você se reconhece nesses retratos?
Björk -
Todos juntos, jornalistas, público, fotógrafos, criamos um personagem que não existe. Isso não me incomoda. Afinal, sou eu que componho assim minhas canções. Existe a tentação de soltar as rédeas dessa figura mitológica, mas não é meu estilo. Excitar imaginações é uma honra para mim, mas prefiro o prazer de compor a criar um personagem que poderia se tornar invasivo.

Pergunta - Apesar de suas diferenças, "Vespertine" e "Homogenic", seu disco precedente, formam um conjunto coerente.
Björk -
Da mesma maneira que "Debut" e "Post", meus dois primeiros discos solos. Trata-se de álbuns de mudanças eufóricas, de felicidade sincera. Na época, eu me comportava com sinceridade permanente em relação aos outros. "Homogenic" e "Vespertine" são discos mais íntimos, onde exploro meu próprio universo.

Pergunta - "Vespertine" é uma aventura interior...
Björk -
"Vespertine" fala dos momentos em que você está sozinho em casa e recusa um convite de um amigo, apenas porque deixar o telefone fora do gancho parece a perfeita expressão do luxo.

Pergunta - A filmagem de "Dançando no Escuro" foi difícil. Será que causou um desejo de se refugiar dentro de um "Cocoon" [casulo", o título de uma das canções do novo disco?
Björk -
O filme me afetou, mas o projeto "Vespertine" já estava em gestação antes disso. Queria explorar essa dimensão interior. Foi um dos motivos que me fez aceitar a proposta de Lars von Trier. O filme conta a história de uma mulher cega que crê que o paraíso existe no seio de sua imaginação e de suas canções. Isso correspondia à idéia que eu fazia do disco que deveria se seguir a "Homogenic". Muitas das canções de "Vespertine" foram compostas durante a filmagem. Eu tinha a impressão de trabalhar em dois projetos paralelos com íntima conexão.

Pergunta - A palavra "Vespertine" é uma de suas expressões?
Björk -
Ela qualifica o mundo da noite e exprime o estado de espírito do disco. São três horas da manhã e você não consegue dormir. Saindo ao jardim, você percebe todos os detalhes, todas as sensações, aos quais jamais havia prestado atenção. As texturas desse novo disco são frágeis e translúcidas como o gelo. Ele é pleno de silêncios e murmúrios.


Tradução Paulo Migliacci



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