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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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Em 1971, em Nova York, o artista Hélio Oiticica conversa com o poeta Haroldo de Campos, morto no último dia 16, sobre cultura brasileira; a Folha publica trechos do encontro

Um bate-papo de vanguarda

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

A conversa aconteceu em 1971, no hotel Chelsea, em Nova York. Reuniu o poeta paulista Haroldo de Campos, então com 42 anos de idade, e o artista plástico carioca Hélio Oiticica, 34. A fita, uma das pelo menos 20 "Héliotapes" que Oiticica gravava e muitas vezes enviava a amigos no Brasil, ficou como uma espécie de registro-relâmpago daquela época e de alguns temas que alimentaram a profícua amizade mantida por esses dois expoentes da vanguarda cultural brasileira.
HC, morto em 16 de agosto, e HO, em 1980, conheceram-se pouco mais de uma década antes, quando, no final dos 50, estavam entre os artistas e poetas do Rio e de São Paulo reunidos em torno das propostas da arte e da poesia concreta. Posteriormente, o grupo dividiu-se, numa cisão que acompanhou, na maior parte, a separação regional: os do Rio tornaram-se "neoconcretos" e os paulistas continuaram concretos.
A ruptura acabou contribuindo para mantê-los relativamente afastados. O relacionamento, ao menos segundo registros disponíveis, foi impulsionado por um encontro em Belém, em 1967, quando se reuniram num simpósio sobre arte e poesia. No mesmo ano, HO, que já havia mostrado pela primeira vez no Rio seus surpreendentes "Parangolés" (1965), exibiu o "Penetrável Tropicália", cujo nome deu título à canção de Caetano Veloso e ao movimento que teve nele e em Gilberto Gil os protagonistas na música popular.
É curioso, na conversa em NY, como HO mostra-se inquieto com a adequação do termo "tropicalismo" para seu trabalho, como se àquela altura as coisas se encaminhassem para uma nova fase -o que, de fato, parecia acontecer. Caetano e Gil encontravam-se desde 1969 exilados em Londres, e o movimento já deixara de existir como tal.
Em 1971, o Brasil vivia o período mais sombrio da ditadura militar. A censura havia se tornado implacável e uma guerra era travada entre os órgãos de repressão e militantes de esquerda. No meio intelectual e artístico, apesar do "inimigo comum", o ambiente era de desarticulação e não eram poucas as divergências, boa parte ainda desdobramentos dos ricos embates culturais dos anos 50 e 60.
Entre os jovens, prosperava a "contracultura", movimento internacional, que arregimentava a rebeldia e a contestação ao "sistema", entendido não apenas em sua materialização propriamente política, mas na dimensão existencial e comportamental.
Tudo parecia contribuir para dar à movimentação cultural de vanguarda ares de conspiração e resistência, o que efetivamente ocorria. Um certo sabor "underground" sobrevive nos trechos da conversa que a Folha publica a seguir. "É um episódio de uma amizade que gerou frutos muito importantes para a arte brasileira", diz Luciano Figueiredo, diretor do Centro de Arte Hélio Oiticica. A "Héliotape" com o poeta e o artista teve circulação restrita, em fita cassete, editada pelo Projeto HO, mantido pela família Oiticica -que autorizou a Folha a transcrever esse diálogo histórico.


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