São Paulo, terça-feira, 24 de agosto de 2004

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DANÇA

Parceria da coreógrafa Vera Mantero com o artista plástico Rui Chafes estréia na 26ª Bienal de Artes de São Paulo

Quando a escultura se transforma em movimento

Divulgação
O artista plástico português Rui Chafes desenha no corpo da coreógrafa Vera Mantero formas orgânicas que lembram coisas da natureza; parceria abre a 26ª Bienal de Artes de São Paulo, em setembro


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

"Como se põe dança com escultura? Ou como se põe escultura em dança?" Essa foi uma das perguntas que a coreógrafa Vera Mantero e o artista plástico Rui Chafes se fizeram para iniciar sua parceria, "Comer o Coração", encomenda do Instituto de Artes de Portugal, que estréia na 26ª Bienal de Artes de SP, em setembro. A Folha conversou com Mantero, por telefone, enquanto as esculturas cruzam o Atlântico.
Chafes, artista português de destaque na cena internacional, criou duas esculturas de ferro, assimétricas e ligadas por uma passarela, com 7 m de altura: dois tripés, cada um com uma bola no topo e uma cadeira na parte central. Mantero estará "dentro da escultura" na tentativa de integração de ferro e corpo.
Nascida em 1966, a coreógrafa tem formação de balé clássico, dançou durante cinco anos no Ballet Gulbenkian, estudou em Nova York técnicas de "release", teatro, voz e composição e desde 87 não parou mais de criar suas próprias obras. Hoje é tida por consenso como um dos nomes de destaque da nova dança portuguesa. Antes de vir para São Paulo, dança três solos (dias 3 e 4 de setembro) no Festival de Dança do Recife; depois apresenta "Comer o Coração" na Bienal e, de 11 a 17 de outubro, estará no Itaú Cultural do Rio de Janeiro, ministrando um workshop.
Seus trabalhos questionam as transformações da dança hoje, avaliando "qual é o lugar do corpo, do movimento". Para definir o que faz escolheu a palavra "espetáculo", que "é a melhor tradução para "performance': algo que diz do fenômeno feito ao vivo, que não é só música, ou dança, ou teatro, mas a criação de eventos".
Para ela o "trabalho do corpo abre canais energéticos, fluências, imaginações e uma compreensão outra do espaço, que não é só visual. O artista do corpo tem imenso mato para desbastar, fazendo uma síntese entre o corpo e o pensamento. Este é um local muito raro e particular da dança, onde se pode transcender a velha dicotomia corpo e espírito".
O ponto de partida com Chafes foi a imagem proposta por ele, de "uma criatura suspensa por um balão prestes a levantar vôo" -imagem ligada à característica inversão das sensações de peso em seus trabalhos. Questões básicas foram surgindo sobre uma colaboração entre as duas artes, sem que uma ficasse subjugada à outra. Para Mantero, o que se verá é "um objeto entrosado, em que o corpo e o ferro estão juntos", mas que procura escapar da "relação estigmatizada, relacionada à escravatura, tortura e violência".
Mantero aparecerá nua, com o corpo pintado por Chafes: "Para suavizar mais a relação do ferro com o corpo. São desenhos que ele faz há alguns anos e que fazem pensar em formas orgânicas, do interior do corpo, mas ao mesmo tempo lembram formas botânicas, plantas e coisas da natureza, formas híbridas entre os dois mundos".
O trabalho ficará na rampa espiralada do prédio da Bienal, o que possibilita uma visão de vários níveis. Para Mantero, estar nessa grande altura tem o "seu quê de refúgio e de casa na árvore. Posso olhar lá para baixo e ninguém pode subir. Mas tem também algo de púlpito, lugar de onde se pode falar às pessoas, por estar muito visível". Quer dizer, "uma posição reflexiva, introspectiva e, ao mesmo tempo, um gesto exteriorizado e exposto".
O título do trabalho veio de um provérbio que Chafes resgatou e que Mantero recorda sem total certeza: "Acho que era "é preciso comer o coração da mãe para seguir'". Segundo ela, "Comer o Coração" tem relação com "engolir os sentimentos, deixar para dentro o que deveria estar para fora". Comentário que ela depois completa, com o avesso que a dança nos dá: "Enquanto há um lado muito silencioso, solene no trabalho do Rui, o meu trabalho dentro do dele -estou literalmente dentro do trabalho dele- vem trazer ruído, barulho, vem de alguma forma pôr o coração de fora".

COMER O CORAÇÃO. Onde: 26ª Bienal de Artes de SP (pavilhão Ciccillo Matarazzo - pq. Ibirapuera, portão 3). Quando: na primeira semana da Bienal, a partir de 25/9, com três intervenções diárias; depois, será exibido um filme; retorna em dezembro. Quanto: grátis.


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