São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2007

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Após "Santiago", Salles volta à família

Finalizado filme sobre mordomo, que estréia hoje, diretor pretende retrabalhar imagens de viagem de sua mãe à Ásia

Autor de "Entreatos", sobre Lula, afirma haver perdido interesse em "seguir pessoas com uma câmera e esperar para ver o que acontece"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O próximo filme que o documentarista João Moreira Salles pretende fazer contará uma só história -de uma viagem que a mãe do diretor fez à China, durante a revolução cultural- sob pontos de vista diferentes.
A viagem foi registrada em imagens que o diretor deve desarquivar e transformar num filme, assim como fez com "Santiago", seu quarto documentário em longa-metragem, que estréia hoje nos cinemas e é dividido em duas partes.
No primeiro trecho do filme, intitulado "Santiago", o diretor apresenta seu personagem -o homem que foi mordomo de sua família durante 30 anos e cujo depoimento biográfico ele filmou em 1992, dois anos antes da morte de Santiago Merlo.
Na segunda parte do filme, "Reflexões sobre o Material Bruto", Moreira Salles descortina as razões por que "Santiago" foi o único filme que ele não concluiu e as que o fizeram retomá-lo, em agosto de 2005.
Narrado em primeira pessoa, "Santiago - Reflexões sobre o Material Bruto" não tem, contudo, a voz de João Moreira Salles, mas sim a de seu irmão Fernando Moreira Salles.

Desconfiança
O diretor explica a escolha do narrador, além do motivo "trivial, porém relevante" de não gostar da própria voz: "Um dos assuntos do filme é a fronteira entre ficção e documentário. A minha voz dava uma concretude muito grande a ele. Com a voz do Fernando, acrescento uma dimensão a mais de ficção no filme. Sou eu falando, mas não é minha voz. É como se introduzisse um espelho a mais, uma camada adicional de desconfiança, de ambigüidade".
A estrutura em camadas superpostas é a que o diretor pretende usar também no próximo filme, com as imagens de arquivo familiar feitas na China.
"Tinha vontade de editar esse material com duas ou três locuções diferentes. A primeira seria eu, que não apareço no filme, falando sobre as imagens. A outra seria de um personagem que está no material, pensando naquele momento sobre a viagem. E a outra, de um personagem periférico. É sempre o mesmo material, que adquire sentidos diferentes. Não é nada novo, original, mas está um pouco mais no caminho do que me interessaria fazer", afirma.
Depois de "Santiago", Moreira Salles se desinteressou em repetir o tipo de filmes que fez antes -"Notícias de uma Guerra Particular", sobre a violência no Rio de Janeiro; "Nelson Freire", perfil do pianista; e "Entreatos", registro da reta final da vitoriosa campanha de Lula à Presidência. O diretor cogitou não prosseguir com a carreira de documentarista.
"Hoje não tenho mais vontade de seguir pessoas com uma câmera e esperar para ver o que acontece. Isso ficou para trás. O que tenho mais interesse de fazer hoje em dia é ser mais experimental no cinema documental", afirma.
A dose de experimentalismo que Moreira Salles aplicou a "Santiago" incluiu assumir-se como personagem do filme, o que acabou sujeitando-o à dupla crítica dos espectadores que já assistiram ao filme em festivais e pré-estréias.
"Muita gente disse que, em nome dos problemas que me levaram de volta ao filme, pus Santiago em segundo plano", afirma o diretor. "É uma interpretação possível, e ela comporta um julgamento ético: o diretor usou-se do personagem para seus próprios fins. Eu poderia contra-argumentar que todo filme faz isso, mesmo os mais angelicais. Mas cabe ao espectador e à crítica determinar se o meu foi indevido."
Embora "Santiago" agora se submeta ao crivo do público e da crítica, Moreira Salles diz que não os teve em conta quando decidiu remontá-lo.
"Fiz "Santiago" num momento difícil da minha vida. Nessas horas, a gente não tem muito a perder e não pensa nos outros. Faz o filme porque aquilo te ajuda, e essa ajuda é tudo que se pede. O resultado são filmes que só podiam ser feitos por quem os fez, intransferíveis."
No filme, Moreira Salles, 45, descreve o "momento difícil" como aquele em que percebeu que "a juventude foi ficando para trás" e teve vontade de voltar à casa em que cresceu e às memórias de sua infância, das quais Santiago faz parte.


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