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Após "Santiago", Salles volta à família
Finalizado filme sobre mordomo, que estréia hoje, diretor pretende retrabalhar imagens de viagem de sua mãe à Ásia
Autor de "Entreatos", sobre Lula, afirma haver perdido interesse em "seguir pessoas com uma câmera e esperar para ver o que acontece"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O próximo filme que o documentarista João Moreira Salles
pretende fazer contará uma só
história -de uma viagem que a
mãe do diretor fez à China, durante a revolução cultural- sob
pontos de vista diferentes.
A viagem foi registrada em
imagens que o diretor deve desarquivar e transformar num
filme, assim como fez com
"Santiago", seu quarto documentário em longa-metragem,
que estréia hoje nos cinemas e é
dividido em duas partes.
No primeiro trecho do filme,
intitulado "Santiago", o diretor
apresenta seu personagem -o
homem que foi mordomo de
sua família durante 30 anos e
cujo depoimento biográfico ele
filmou em 1992, dois anos antes
da morte de Santiago Merlo.
Na segunda parte do filme,
"Reflexões sobre o Material
Bruto", Moreira Salles descortina as razões por que "Santiago" foi o único filme que ele não
concluiu e as que o fizeram retomá-lo, em agosto de 2005.
Narrado em primeira pessoa,
"Santiago - Reflexões sobre o
Material Bruto" não tem, contudo, a voz de João Moreira Salles, mas sim a de seu irmão
Fernando Moreira Salles.
Desconfiança
O diretor explica a escolha do
narrador, além do motivo "trivial, porém relevante" de não
gostar da própria voz: "Um dos
assuntos do filme é a fronteira
entre ficção e documentário. A
minha voz dava uma concretude muito grande a ele. Com a
voz do Fernando, acrescento
uma dimensão a mais de ficção
no filme. Sou eu falando, mas
não é minha voz. É como se introduzisse um espelho a mais,
uma camada adicional de desconfiança, de ambigüidade".
A estrutura em camadas superpostas é a que o diretor pretende usar também no próximo
filme, com as imagens de arquivo familiar feitas na China.
"Tinha vontade de editar esse material com duas ou três locuções diferentes. A primeira
seria eu, que não apareço no filme, falando sobre as imagens. A
outra seria de um personagem
que está no material, pensando
naquele momento sobre a viagem. E a outra, de um personagem periférico. É sempre o
mesmo material, que adquire
sentidos diferentes. Não é nada
novo, original, mas está um
pouco mais no caminho do que
me interessaria fazer", afirma.
Depois de "Santiago", Moreira Salles se desinteressou em
repetir o tipo de filmes que fez
antes -"Notícias de uma Guerra Particular", sobre a violência
no Rio de Janeiro; "Nelson
Freire", perfil do pianista; e
"Entreatos", registro da reta final da vitoriosa campanha de
Lula à Presidência. O diretor
cogitou não prosseguir com a
carreira de documentarista.
"Hoje não tenho mais vontade de seguir pessoas com uma
câmera e esperar para ver o que
acontece. Isso ficou para trás. O
que tenho mais interesse de fazer hoje em dia é ser mais experimental no cinema documental", afirma.
A dose de experimentalismo
que Moreira Salles aplicou a
"Santiago" incluiu assumir-se
como personagem do filme, o
que acabou sujeitando-o à dupla crítica dos espectadores que
já assistiram ao filme em festivais e pré-estréias.
"Muita gente disse que, em
nome dos problemas que me
levaram de volta ao filme, pus
Santiago em segundo plano",
afirma o diretor. "É uma interpretação possível, e ela comporta um julgamento ético: o
diretor usou-se do personagem
para seus próprios fins. Eu poderia contra-argumentar que
todo filme faz isso, mesmo os
mais angelicais. Mas cabe ao espectador e à crítica determinar
se o meu foi indevido."
Embora "Santiago" agora se
submeta ao crivo do público e
da crítica, Moreira Salles diz
que não os teve em conta quando decidiu remontá-lo.
"Fiz "Santiago" num momento difícil da minha vida. Nessas
horas, a gente não tem muito a
perder e não pensa nos outros.
Faz o filme porque aquilo te
ajuda, e essa ajuda é tudo que se
pede. O resultado são filmes
que só podiam ser feitos por
quem os fez, intransferíveis."
No filme, Moreira Salles, 45,
descreve o "momento difícil"
como aquele em que percebeu
que "a juventude foi ficando para trás" e teve vontade de voltar
à casa em que cresceu e às memórias de sua infância, das
quais Santiago faz parte.
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