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"Contradição corrói as bienais de arte"
Para Waltercio Caldas, megaexposições não conseguem dar conta da globalização das ideias no mundo atual
Carioca diz que novas gerações não deveriam ignorar a história da arte e elogia americano Matthew Barney
DO ENVIADO AO RIO
Admirador confesso de
Auguste Rodin (1840-1917),
Constantin Brancusi (1876-1957) e Pablo Picasso (1881-1973), Waltercio Caldas lamenta que as novas gerações
de artistas brasileiros ignorem a história da disciplina
-"perde-se muito com isso".
O artista plástico também
afirma que não consegue
imaginar um mundo sem livros, mesmo vivendo na era
digital.
(MARCOS FLAMÍNIO PERES)
Folha - Às vésperas de mais
uma Bienal de Arte de São
Paulo, como vê o conceito de
grandes exposições?
Waltercio Caldas - São anacrônicas, porque, embora
pretendam absorver o que
está acontecendo no mundo,
ele está muito mais complexo do que elas são capazes de
suportar.
Por não conseguirem dar
conta da globalização das
ideias e da vertiginosidade
do tempo, tornam-se específicas. Embora o discurso seja
totalizador, acabam defendendo um ponto de vista
muito particular. E essa contradição corrói esse tipo de
evento.
Como vê a apropriação de seu
trabalho pelos artistas contemporâneos?
Hoje em dia, alguns artistas consideram que se pode
fazer arte sem ter noção da
história da arte, sem ter noção de todas as conquistas
anteriores. E tenho a impressão de perdemos muito com
essa deliberada ignorância.
Livros e palimpsestos sempre
foram recorrentes em sua
obra. Como vê o futuro da palavra impressa com o advento das novas tecnologias?
Não consigo imaginar o futuro da humanidade sem palavra impressa e sem papel.
Os livros têm características
tão especiais que nunca serão substituídas. A mídia eletrônica oferece ao espectador
uma participação na velocidade do mundo, em sua vertiginosidade, enquanto o livro atende mais à ideia de
contemplação.
Usa Facebook ou Twitter?
Procuro evitar... Tenho
uma relação muita íntima
com o tempo. Acho extremamente desagradável me relacionar com uma imagem que
é filtrada por uma luz artificial que nos chega por meio
de um sinal eletrônico.
Como avalia os museus brasileiros e sua formação de acervo?
É um problema que temos
por puro descaso nosso. São
poucos os museus que têm
política de aquisição, e,
quando as têm, são muitas
vezes esporádicas e temporárias. Isso faz com que as instituições às vezes não tenham
um acervo que possam representar sua própria história.
E como mudar isso?
Bem, para usar os perfumes como metáfora, acho
que o Brasil, em arte, está começando a produzir fragrâncias muito boas, mas conhece muito pouco do processo
fixador. E, no entanto, ele é
fundamental.
A falta de apelo exótico de
sua obra foi um problema para sua aceitação no exterior?
Não, pois acho que o mundo é suficientemente complexo para incorporar trabalhos de toda natureza.
Não acha que existe hoje uma
culturalização da arte, entendida a partir de conceitos como cor, etnia etc.?
Acho, e isso de certo modo
substitui os "ismos" [as vanguardas]. Por terem se tornado densos demais, cederam
lugar a ordens sociológicas,
psicológicas, etnológicas...
Sob esse ponto de vista, meu
trabalho tem um viés bastante crítico. Uma obra é exatamente aquilo que ela é, ele
não quer ser a representação
de nenhuma outra coisa.
Qual o artista que mais chama sua atenção na cena
atual?
Gosto muito do [americano] Matthew Barney. Acho
que ele tem uma pegada na
questão dos materiais que é
bastante inovadora.
Um crítico já definiu seu humor como machadiano. Você
se reconhece nele?
Isso me lisonjeia, porque o
humor de Machado -quase
uma ironia- é uma necessidade para o Brasil.
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