São Paulo, segunda, 24 de agosto de 1998

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FOTOGRAFIA
Portugal leva China e presos a Curitiba

Foto de cavalos na região de Shaanxi, na China, de Chen Bao Cheng Camponês chinês, em foto de Chen Bao Cheng exposta em Curitiba ANA MARIA GUARIGLIA
enviada especial a Curitiba

"Murmúrios do Tempo" e as imagens chinesas de Chen Bao Cheng são as duas mostras trazidas de Portugal e que estão sendo apresentadas na 2ª Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba.
A primeira pertence ao Centro Português de Fotografia, da cidade do Porto, e mostra reproduções de fotos dos boletins de identificação dos presidiários, que estiveram detidos entre 1880 e 1905 na antiga cadeia da Relação.
A segunda é do repórter Cheng, nascido em 1939, que fez parte de uma geração de fotógrafos, que conviveu com a dialética imposta pela revolução cultural da China.
No fundo, cada uma, ao seu modo, foi gerada por momentos históricos e se distinguem pelas condições em que foram produzidas.
A primeira, a serviço do Estado português; e a segunda, por seu autor abandonar a propaganda ideológica chinesa e mostrar seu amor pela vida e pela liberdade, situação estranha para quem vive em um país socialista.
Com um profundo senso de estética e de composição, Cheng ressalta a beleza de Shaanxi, região onde vive, focalizando a natureza e as pessoas.
O ensaio pertence ao acervo do "Encontro da Imagem", evento realizado todos os anos, no mês de maio, na cidade de Braga, em Portugal.
Além de mostrar a cumplicidade da fotografia com a nascente ciência criminal positivista, baseada em teses que sustentavam a idéia de que as feições de uma pessoa reproduziam seu caráter interior, "Murmúrios do Tempo" mostra que a fotografia operava como um meio de controle social.
Maria Teresa Siza, 50, curadora da mostra e diretora do Centro Português de Fotografia, falou à Folha, em Curitiba, e contou detalhes da exposição.

Folha - Como nasceu a idéia de fazer uma mostra sobre presidiários do século passado?
Teresa Siza -
A idéia base é mostrar que a fotografia, no início, manteve uma cumplicidade com o poder. É o processo de despersonalização que o poder pretende impor a um preso. Ao substituir um nome por um número, o poder também anulava a personalidade.
Folha - Como funcionava a cadeia da Relação?
Siza -
Entre o século 18 até 1974, foi usada como presídio. Estava em péssimas condições. Há pouco mais de um ano, o governo resolveu criar o Centro Português de Fotografia. Pudemos reaver as fotos e os documentos que estavam no local.
Hoje temos mais de 9.000 chapas de vidro. É um espólio fotográfico que testemunha uma série de fatos como a existência do fotógrafo, mas não a função ou a profissão.
E como era a vida no local?
Siza -
A cadeia tinha celas coletivas, abrigando pessoas de todos os sexos e idades, sem separação por crimes, mas por classe social.
Folha - Era importante registrar os presos?
Siza -
Foi uma estratégia lançada na França por Bertillon e, na Itália, por Lombrose. Consistia na idéia de que existe uma tendência inata do cidadão para o crime.
A primeira estadia nessa cadeia raramente era a única, e o processo se acumulava de tal forma que o indivíduo não tinha a mínima possibilidade de se salvar.


A jornalista Ana Maria Guariglia viajou a Curitiba a convite da organização da bienal

Exposições: Murmúrios do Tempo e Chen Bao Cheng Onde: Museu da Fotografia/Solar do Barão (r. Presidente Carlos Cavalcanti, tel. (041) 322-1525, centro) Quando: seg a sex, das 9h às 15h; sáb e dom, das 9h às 15h; até 1º de novembro Quanto: entrada franca


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