São Paulo, Terça-feira, 24 de Agosto de 1999
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Borges, 100, solta o verbo

Reprodução
O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), autor de clássicos como "O Aleph" e "Ficções", que completaria cem anos hoje



Sai na Argentina e na Espanha "Borges Verbal", livro que documenta o lado "falastrão" do escritor, que faria cem anos hoje


CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

Havia um Jorge Luis Borges que escrevia e um que falava. O Borges escritor, autor de "O Aleph" e "Ficções", é uma unanimidade. O Borges que opinava sobre tudo e todos, muitas vezes tachado de reacionário, nem tanto.
Hoje se completam cem anos do nascimento do escritor argentino e esse lado falastrão volta à superfície com o lançamento, em Buenos Aires e em Madri, do livro "Borges Verbal", ainda sem previsão de lançamento no Brasil.
Nele, os autores -o argentino Mario Paoletti, autor de uma biografia do escritor uruguaio Mario Benedetti, e a espanhola Pilar Bravo- recolhem frases, que reúnem na forma de um "Dicionário de Borgerias", e histórias curiosas vividas pelo escritor e contadas por seus amigos como anedotas.
As 700 frases, compiladas em ordem alfabética, deixam claras as posições de Borges sobre vários assuntos, inclusive as incoerências políticas que tanto lhe trouxeram problemas em vida e, dizem, lhe custaram o Nobel, para o qual tantas vezes fora indicado.
Seu antiperonismo ferrenho o havia levado, em 66, a apoiar a ascensão dos militares na Argentina. O arrependimento, quando se deu conta da tortura e dos desaparecimentos que viriam com o governo fardado, chegou tarde, em meados de 1980.
Nesse ínterim, sobretudo na década de 70, quando o peronismo ameaçava voltar ao poder e Borges chegou a ser condecorado pelo ditador chileno Augusto Pinochet, disse sobre política tudo o que queria -e o que, talvez, não devia.
Chamou Evita de "prostituta", qualificou negros e índios de "etnias menores e inválidas" e a esquerda como "totalitária", ao mesmo tempo em que elogiou o general de linha-dura Jorge Rafael Videla, para ele "um cavalheiro".
O escritor passa a ser insultado nas ruas, e Paoletti cita uma piada corrente no período: "Borges é uma prova da inexistência de Deus. Por quê? Porque se Deus realmente existisse o teria feito mudo, e não cego".
É claro que nem só de quiproquós ideológicos está construída a "obra verbal" de Jorge Luis Borges. À parte suas convicções políticas, o melhor do que fala diz respeito aos aforismos que pronunciou sobre quase tudo, cutucado por jornalistas dos quatro cantos do mundo.
Alguns deles, lapidares. Sobre estilo: "É curioso advertir que o estilo de Deus é quase idêntico ao de Victor Hugo". Ou sobre Carlos Gardel: "Gardel e eu temos algo em comum: nenhum de nós dois gosta de tango".
Para fazer o livro, Mario Paoletti e Pilar Bravo trabalharam sobre 600 entrevistas dadas por Borges, reportagens televisivas e 13 livros de conversações com o escritor.
"Um dos critérios básicos de seleção foi excluir as respostas extemporâneas, porque não se pode dar o mesmo status a uma opinião que Borges repetiu durante 40 anos e a um ex-abrupto, único e irrepetível, provocado por um interlocutor agressivo ou incômodo. Mas não houve critérios de inclusão ou exclusão de caráter político", disse Paoletti à Folha, por e-mail.
"Borges era uma contradição ambulante", disse Pilar Bravo, advertindo sobre a impossibilidade de se julgar o trabalho grandioso do escritor a partir da verve iconoclasta, radical e polemista do mito.


Livro: Borges Verbal Autores: Pilar Bravo e Mario Paoletti Lançamento: Emecé (Argentina) Onde encomendar: livraria Cultura (www.livcultura.com.br)

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