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LITERATURA
Ex-mulher do escritor fugiu para a França com os dois filhos do casal para reverter decisão judicial
Ficção invade vida real de Ian McEwan
SYLVIA COLOMBO
de Londres
Ciúme, traição, intriga policial e
uma relação amorosa envolta por
um drama psicológico. Estes têm
sido, até hoje, os principais ingredientes dos romances do escritor
britânico Ian McEwan.
Nos últimos meses, porém, estes itens parecem ter saído das páginas dos seus livros para assombrá-lo em sua vida pessoal.
Sua ex-mulher, Penny Allen, inconformada com a decisão de
uma corte britânica de entregar
provisoriamente a McEwan a
guarda dos dois filhos do casal,
fugiu para o sul da França com os
dois meninos, de 13 e 15 anos.
Negando-se a dizer qual é o seu
paradeiro, Penny escreveu aos
principais jornais britânicos e ao
ministro do Interior do Reino
Unido, Jack Straw, pedindo que o
caso seja revisto. Ela afirma também que não reaparecerá com os
dois adolescentes até que seu pedido seja atendido.
No último domingo, Penny disse ao jornal britânico "The Observer": "Existem muitas mulheres
na mesma situação que eu; como
tenho acesso à mídia, resolvi tomar esta decisão".
McEwan tem se recusado a comentar a atitude da ex-mulher.
Disse, porém, que tem sido vítima
de telefonemas anônimos com
ameaças, e que crê que o autor
dos mesmos seja o atual namorado de Penny, Ismay Tremain.
A polícia de Oxford (Inglaterra), onde McEwan vive, grampeou o telefone do escritor na tentativa de rastrear o agressor.
Os acontecimentos evocam as
tramas novelescas de toque kafkiano (Franz Kafka é uma de suas
principais referências literárias)
de McEwan. Telefonemas obsessivos e ameaçadores estão em
"Amor para Sempre", história de
um escritor perseguido por um
homem que sofre de uma síndrome psicológica. A perda de uma
criança está em "A Criança no
Tempo" enquanto "Amsterdã",
que venceu o Booker Prize, tem
como pano de fundo o ciúme.
Trama judicial
McEwan e Penny se conheceram enquanto estudavam na Universidade de East Anglia e se casaram em 1982. Há quatro anos veio
o divórcio e ambos passaram a
conviver alternadamente com os
filhos. Em 98, quando o autor se
casou com a jornalista Annalena
McAfee, Penny entrou na justiça
pedindo a guarda dos garotos.
Em fevereiro último, a corte que
julgava o caso decidiu dar a guarda provisória a McEwan, e marcou para 26 de julho a audiência
que definiria definitivamente a
querela. Na data estipulada, porém, Penny não apareceu.
Fato e ficção
Não é só no território amoroso
que fato e ficção se confundem na
vida de McEwan. Na última edição do Jornal Britânico de Psiquiatria, o escritor resolveu assumir que o caso "real" em que seu
livro "Amor para Sempre" se baseia é fruto de sua imaginação.
A trama do livro gira em torno
de um homem que sofre da síndrome de Clérambault, uma
doença psicológica que dota a
pessoa de uma paixão obcecada
por alguém que mal conhece.
McEwan explica no livro que o
romance foi inspirado num fato
verídico. Para dar credibilidade a
isso, adiciona ao final da obra um
apêndice que comenta este caso e
é assinado por dois médicos: Robert Wenn e Antonio Camia.
Publicada em 1997, a obra chamou a atenção de especialistas em
psiquiatria, e o caso foi até resenhado em revistas especializadas.
Em abril último, porém, dois
psiquiatras do Royal Hospital de
Londres, os doutores Kenneth
Granville-Grossman e Robin
McCreadie, disseram ter pesquisado os arquivos de registros dos
médicos do Reino Unido e não
encontraram nenhuma referência aos citados Wenn e Camia.
McEwan assumiu, então, a autoria do anexo, e explicou que
Wenn e Camia eram anagramas
de seu próprio nome: "É sempre
muito tentador para um escritor
borrar ou apagar a linha entre a
ficção e a realidade. Isso confere à
ficção certa autoridade".
McEwan acrescentou: "Estudos
de caso psiquiátricos são como
pequenos romances. Basear uma
teoria psiquiátrica no que uma
pessoa diz ter descoberto sobre
uma outra pessoa é fantasticamente não-científico e é uma prática que deve muito a um certo tipo de interpolação literária".
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