São Paulo, Terça-feira, 24 de Agosto de 1999
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LITERATURA
Ex-mulher do escritor fugiu para a França com os dois filhos do casal para reverter decisão judicial
Ficção invade vida real de Ian McEwan

SYLVIA COLOMBO
de Londres

Ciúme, traição, intriga policial e uma relação amorosa envolta por um drama psicológico. Estes têm sido, até hoje, os principais ingredientes dos romances do escritor britânico Ian McEwan.
Nos últimos meses, porém, estes itens parecem ter saído das páginas dos seus livros para assombrá-lo em sua vida pessoal.
Sua ex-mulher, Penny Allen, inconformada com a decisão de uma corte britânica de entregar provisoriamente a McEwan a guarda dos dois filhos do casal, fugiu para o sul da França com os dois meninos, de 13 e 15 anos.
Negando-se a dizer qual é o seu paradeiro, Penny escreveu aos principais jornais britânicos e ao ministro do Interior do Reino Unido, Jack Straw, pedindo que o caso seja revisto. Ela afirma também que não reaparecerá com os dois adolescentes até que seu pedido seja atendido.
No último domingo, Penny disse ao jornal britânico "The Observer": "Existem muitas mulheres na mesma situação que eu; como tenho acesso à mídia, resolvi tomar esta decisão".
McEwan tem se recusado a comentar a atitude da ex-mulher. Disse, porém, que tem sido vítima de telefonemas anônimos com ameaças, e que crê que o autor dos mesmos seja o atual namorado de Penny, Ismay Tremain.
A polícia de Oxford (Inglaterra), onde McEwan vive, grampeou o telefone do escritor na tentativa de rastrear o agressor.
Os acontecimentos evocam as tramas novelescas de toque kafkiano (Franz Kafka é uma de suas principais referências literárias) de McEwan. Telefonemas obsessivos e ameaçadores estão em "Amor para Sempre", história de um escritor perseguido por um homem que sofre de uma síndrome psicológica. A perda de uma criança está em "A Criança no Tempo" enquanto "Amsterdã", que venceu o Booker Prize, tem como pano de fundo o ciúme.

Trama judicial
McEwan e Penny se conheceram enquanto estudavam na Universidade de East Anglia e se casaram em 1982. Há quatro anos veio o divórcio e ambos passaram a conviver alternadamente com os filhos. Em 98, quando o autor se casou com a jornalista Annalena McAfee, Penny entrou na justiça pedindo a guarda dos garotos.
Em fevereiro último, a corte que julgava o caso decidiu dar a guarda provisória a McEwan, e marcou para 26 de julho a audiência que definiria definitivamente a querela. Na data estipulada, porém, Penny não apareceu.

Fato e ficção
Não é só no território amoroso que fato e ficção se confundem na vida de McEwan. Na última edição do Jornal Britânico de Psiquiatria, o escritor resolveu assumir que o caso "real" em que seu livro "Amor para Sempre" se baseia é fruto de sua imaginação.
A trama do livro gira em torno de um homem que sofre da síndrome de Clérambault, uma doença psicológica que dota a pessoa de uma paixão obcecada por alguém que mal conhece.
McEwan explica no livro que o romance foi inspirado num fato verídico. Para dar credibilidade a isso, adiciona ao final da obra um apêndice que comenta este caso e é assinado por dois médicos: Robert Wenn e Antonio Camia.
Publicada em 1997, a obra chamou a atenção de especialistas em psiquiatria, e o caso foi até resenhado em revistas especializadas.
Em abril último, porém, dois psiquiatras do Royal Hospital de Londres, os doutores Kenneth Granville-Grossman e Robin McCreadie, disseram ter pesquisado os arquivos de registros dos médicos do Reino Unido e não encontraram nenhuma referência aos citados Wenn e Camia.
McEwan assumiu, então, a autoria do anexo, e explicou que Wenn e Camia eram anagramas de seu próprio nome: "É sempre muito tentador para um escritor borrar ou apagar a linha entre a ficção e a realidade. Isso confere à ficção certa autoridade".
McEwan acrescentou: "Estudos de caso psiquiátricos são como pequenos romances. Basear uma teoria psiquiátrica no que uma pessoa diz ter descoberto sobre uma outra pessoa é fantasticamente não-científico e é uma prática que deve muito a um certo tipo de interpolação literária".


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