São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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FERREIRA GULLAR

No horário eleitoral gratuito


A lei da própria natureza permite que os mais espertos sobrevivam, e os incapazes pereçam

AMIGÃO, VOCÊ deve me conhecer de nome. Eu me chamo Pedro Mensala, fui eleito deputado federal em 2002, mas renunciei para não ter meu mandato cassado e não poder me candidatar de novo. Por que queriam cassar meu mandato? Você deve estar sabendo, foi essa coisa de mensalão que inventaram para me perseguir só porque sempre trabalhei pelo povo pobre, primeiro como vereador, depois como deputado estadual e finalmente como deputado federal.
Apoiado por meus antigos companheiros de sindicato, batalhei por minha categoria, provocando o ódio dos patrões. Foi assim que ganhei a confiança dos companheiros e comecei uma carreira política vitoriosa. Mas, ano passado, a direita reacionária inventou essa calúnia chamada de mensalão, e fui denunciado numa CPI. Pura palhaçada. Não há provas de que eu tenha recebido dinheiro para votar com o governo. Mentira, mentira, mentira! O governo não precisaria me comprar porque pertenço à sua base de apoio.
É verdade que fui eleito por um partido de oposição, mas, assim que o novo presidente tomou posse, mudei de legenda, deixei a oposição para apoiar o governo, pois, realista que sou, ou melhor, idealista que sou, queria dar meu apoio a um presidente igualmente idealista e que, como eu, sempre batalhou pelos pobres. Se recebi dinheiro, foi grana não contabilizada para pagar despesas de campanha eleitoral.
Quanto você pensa que custa uma campanha para deputado federal, amizade? Não, não tenho vergonha de dizer que me elegi com grana do caixa dois, porque isso todo mundo faz sistematicamente, e não vou bancar o babaca, dar uma de honesto e perder as eleições. Agora ficam esses hipócritas falando de ética. De que serve a ética? Com perdão da palavra, limpo a bunda com ela. Político não pode ter ética, tem que meter a mão na merda mesmo, se quiser se eleger. Estou ou não com a razão? Olhe, muitos intelectuais pensam exatamente como eu.
Os falsos moralistas inventaram que eu tinha mandado minha mulher ao banco pegar a grana do mensalão. Veja você, mulher de deputado não pode mais ir a banco que é para receber mensalão! Ela foi lá retirar o dinheiro que a tia dela mandou para comprar uma máquina fotográfica digital, que lá em Cajapió não tem. A coitada retirou os 50 mil reais que a tia mandou e inventaram que era dinheiro de suborno! Mentira, mentira, mentira!
Depois disso, não contentes, inventaram outra calúnia, afirmando que havia comprado uma fazenda por R$ 1 milhão, perto de Cajapió, quando quem de fato comprou essa fazenda foi meu irmão, com um dinheiro que ganhou na loto. Como se vê, demonstro que sou um homem honesto, que nunca me meti em falcatruas, conforme sabe o povo, que, por isso, sempre me honrou com seus votos. O fato é que tanto fizeram, forjaram provas e testemunhos, denúncias vazias e invencionices, que os membros da CPI terminaram acreditando e me relacionaram entre os corruptos. Aliás,o relator da CPI, que faz carga contra mim em seu relatório, embora sendo do meu partido, não vai com minha cara porque sou um homem de origem humilde, um simples bancário que se tornou parlamentar graças à sua dedicação à causa pública.
Fiquei na seguinte situação: ou perdia os direitos políticos por oito anos, ou renunciaria para poder me candidatar de novo. Foi o que fiz, de modo que aqui estou, com a graça de Deus, candidatíssimo e contando com o seu voto independente, consciente, de pessoa que não se deixa levar pelo que diz a imprensa e os detratores de honra alheia.
Nem bem minha candidatura foi anunciada, já meus inimigos passaram a acusar o meu partido de permitir a candidatura de um corrupto. O mesmo disseram de outros candidatos que, como eu, dentro da lei, renunciaram para escapar da cassação. Pergunto: quem gostaria de perder seus direitos políticos?! Não é a lei que permite renunciar para não ser cassado? Alegam que essa lei é uma imoralidade e que foi feita pelos deputados para se livrarem da punição. Estou me lixando. Se a lei me beneficia, bobo seria eu se não me valesse dela. A lei da própria natureza permite que os mais espertos sobrevivam, e os incapazes pereçam. Não sei de que me acusam, se apenas obedeço à natureza!
Esquecem que a moralidade é relativa e que se deve separar o joio do trigo. Se um sujeito desrespeita a lei, visando usar o mandato em interesse próprio, isso é imoral; mas, se faz com o propósito de trabalhar pelo bem comum, é ético, não merece ser punido, pois, como se sabe, os fins nobres justificam os meios ignóbeis.


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