São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Bolaño reencena as chagas do século 20 em "Monsieur Pain"

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Publicado em 1999, mas escrito quase 20 anos antes, "Monsieur Pain" contém as obsessões de obras maduras de Roberto Bolaño (1953-2003), como "Os Detetives Selvagens" e "2666".
Traz tramas esdrúxulas desvelando a ordem secreta do mundo; enredos detetivescos cujos fios não se atam, dando permanência ao crime e ao mal; escritores envolvidos em conspirações políticas e conspiradores obsedados pelo poder da arte.
Em "Monsieur", ocultismo e espionagem se conectam ao tema do escritor perseguido, na Paris de 1938, durante a Guerra Civil Espanhola.
O narrador, Pierre Pain, é um veterano da Primeira Guerra e praticante do mesmerismo (hipnose) solicitado a prestar seus serviços a um poeta com crises de soluço (o peruano César Vallejo, refugiado na França e alinhado aos republicanos espanhóis).
Pain é impedido de atendê-lo por esbirros fascistas que tentam sufocar os espasmos do poeta, "figuração enigmática de uma voz que já não pode falar, mas tampouco silenciar" (conforme escreveu Eduardo Sterzi em ensaio sobre Bolaño para o caderno Ilustríssima).
As articulações políticas, porém, ficam nos desvãos de uma narrativa em que os corredores da clínica em que está Vallejo são círculos de um labirinto, comunicando-se com catacumbas onde artistas zanzam sonâmbulos, às vésperas da barbárie nazista.
O centro do romance é o circuito de discípulos de Franz Mesmer (teórico do "magnetismo animal"): Paul Rivette (mestre de Pain), Jules Sautreau (leitor de "Revelação Mesmérica", de Poe), Pleumeur-Bodou (que usa a hipnose para extrair confissões de presos políticos) e o próprio Pain, defensor da hipnose como "enteléquia maligna", utopia da cura pelo esquecimento induzido.
O confronto entre esses rufiões do oculto, num universo clandestino, reencena as chagas do século numa sátira reforçada pelas biografias imaginárias das personagens, ao final do romance.
Uma passagem define a poética do autor chileno: ao entrar num café, Pain encontra um aquário em que "repousavam miniaturas de barcos, trens, aviões, arrumados de tal forma que simulavam catástrofes, desastres parados num mesmo tempo artificial (...) um mundo submerso, preservado, onde só ondulavam as bandeiras da morte: os peixinhos vermelhos".
Tal como nos jogos de guerra do romance póstumo "Terceiro Reich", essas destruições em miniatura são a chave para a ficção de Bolaño, em que a hipnoses do grotesco impedem o esquecimento da história.

MONSIEUR PAIN
AUTOR Roberto Bolaño
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Eduardo Brandão
QUANTO R$ 34 (144 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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