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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO
"INTERVENÇÃO DIVINA"
Diretor usa piadas visuais para destruir estereótipos do conflito entre palestinos e israelenses
Elia Suleiman desmonta terror com humor
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Como desarmar a belicosidade já quase secular entre
palestinos e israelenses? Em "Intervenção Divina", uma resposta
repousa silenciosa sobre cada
imagem: com humor.
A aposta parece absurda, e é nisso que consiste o rigor desse segundo longa-metragem do cineasta palestino Elia Suleiman,
que recebeu o prêmio do júri em
Cannes neste ano pela ousadia.
Constituído de três partes, construídas como capítulos ("Nazaré", "Posto de Fronteira", "Jerusalém"), "Intervenção Divina" formula uma imagem totalmente diversa desses espaços em disputa,
que estamos viciados em ver como um desfile sem fim de ataques
suicidas, retaliações militares,
sangue e dor.
Na primeira parte, a questão
central é a da convivência, jamais
pacífica, entre vizinhos. Ninguém
parece ter outro objetivo senão
destruir a paz alheia. E isso, observe-se, entre os próprios palestinos.
Logo na primeira cena, um homem vestido de Papai Noel é perseguido por um grupo de garotos
que, por fim, dão-lhe uma facada.
Um senhor abre a porta de casa e
joga seu lixo no terraço da vizinha. Um outro saúda os amigos
da cidade com palavrões impublicáveis.
Construído a partir de uma série de gags estritamente visuais,
quase sem diálogos, esse capítulo
já demonstra a que veio: Suleiman
joga com o humor, mas não está
para brincadeiras.
Na segunda parte, um casal isolado pelas eternas disputas territoriais (ele vive em Jerusalém, ela,
em Ramallah) só se encontra numa espécie de estacionamento
diante de um posto de controle
militar. Aqui, a velha fórmula "faça amor, não faça guerra" recupera todo o seu sentido.
Na terceira, ainda sem abandonar o humor, o personagem que o
próprio Suleiman interpreta explode o sentido da rigidez militar
com um balão com uma estampa
de Arafat sobrevoando os céus de
Jerusalém. Ou simplesmente
transforma um simples caroço de
fruta em uma bomba. São situações que recuperam o burlesco na
dimensão forjada por um Buster
Keaton, no qual as consequências
extrapolam por completo os atos
mais simples.
Para platéias brasileiras, o filme
pode parecer de difícil entendimento, pois, além da fragmentação narrativa, parte de muitas situações locais às quais nos faltam
conhecimentos.
O mais importante, contudo, é
perceber como Suleiman desmonta os estereótipos que determinam nossa percepção do conflito entre palestinos e israelenses.
Numa inversão do sentido habitual, ele se apropria de clichês visuais (da publicidade, da moda,
do videoclipe, do filme de ação, da
coreografia de musicais) para
deslocar nosso modo de ver aquela situação: no lugar dos terroristas do Jihad, entra uma guerreira
ninja; no lugar da fuzilaria contra
postos militares, uma mulher caminha como se estivesse em um
desfile de moda; no treinamento
de paramilitares, os soldados atiram contra os alvos, mas não se
esquecem de demonstrar suas habilidades coreográficas.
Essa intenção é assumida pelo
diretor: "O que acontece quando
construímos imagens que criticam as representações lineares?
Criamos imagens que são amálgamas, que não têm um centro,
que são abertas e democráticas
para o espectador. Minha tarefa
como cineasta é trabalhar duro
para multiplicar as camadas de
sentido e de leituras de uma imagem, criar tanto quanto possível
um espaço poético que tenda para
a abstração e que escape às definições rígidas", diz Suleiman.
Ao fim de cada cena, quando se
perguntar: afinal, qual o significado disso?, contente-se com a impressão de absurdo.
Avaliação:
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