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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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"O Signo do Caos" é exibido hoje, às 13h, e domingo, às 17h10

Rogério Sganzerla filma contra a ilusão cinematográfica

Divulgação
Cena do filme "O Signo do Caos", que é exibido hoje na Mostra


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Para Rogério Sganzerla, o fato fundante da nacionalidade é o desaparecimento de "It's All True", o filme que Orson Welles (1915-85) realizou no Brasil durante a Segunda Guerra.
Assim, enquanto o censor varguista preocupa-se com "a imagem" do país de que o mundo pode ter conhecimento, para Sganzerla não há mais imagem possível a partir dessa recusa inaugural. Em "O Signo do Caos", esse bloqueio traduz-se pela frase: "Você ainda não viu nada! Nem vai ver!". Ou seja: não existe horizonte visível para o país.
Parêntese: o filme perdido de Orson Welles hoje já não é tão perdido assim. Foi encontrado em Hollywood e o episódio do jangadeiro Jacaré foi montado e exibido. O outro, do Carnaval, foi abortado -existem algumas imagens, mas Welles nada mais fez do que esboçar o episódio.
A quem cabe a culpa pela interrupção do projeto? Na melhor das hipóteses, pode ser repartida entre governo brasileiro (de fato ressabiado com a imagem que Welles veicularia do país) e RKO (que queria ver Welles pelas costas).
Não importa a verdade histórica. Para todos os efeitos, para Sganzerla, somos o país que tragou Welles. Rejeitado, o gênio aniquila o país. O signo do caos brasileiro é seu filme perdido. Não temos imagem possível. Daí esse "antifilme" (que é como se apresenta): filme da não-imagem, da imagem impraticável. Filme contra a ilusão cinematográfica em geral, o que significa dizer: um filme desiludido, que se dá conta da ilusão do cinema como a grande arte do século 20. O século 20 acabou, levando também essa ilusão: a arte em que real e ficção se completam e se fundem falhou.
Restou o quê? A indústria cultural, isto é: isso que hoje se denomina "produtos audiovisuais". Produtos, em suma, engendrados por crenças do tipo "o cinema nacional melhorou muito ultimamente". Crenças que "O Signo do Caos" parece existir para desmentir: não, o cinema nacional não melhorou, porque não pode melhorar o que não existe.
Acreditar que existe (e melhorou): não pode haver ilusão mais extrema para Sganzerla. Talvez ajude a comprovar isso o fato de nosso "cinema que melhorou" ser uma empreitada ilusionista, atrasada, digna dos anos 40.
"O Signo do Caos" é um filme pessimista, amargo -filme da invisibilidade do Brasil. Do fazer impossível de um filme na terra que renegou Welles. Filme tão íntegro e espantoso quanto notável.


O Signo do Caos    

Veja programação à pág. E4 e sinopses da 27ª Mostra em www.folha.com.br/especial/2003/mostrabrdecinema

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