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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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CRÍTICA

Filme não cola como sátira à elite nacional

CRÍTICO DA FOLHA

"Os Normais - O Filme" é uma boa prova: o sistema de produção da Globo goza de plena saúde. Já que os tempos são de pragmatismo, não custa admitir: a irresistível (e mais que previsível) ascensão da Globo Filmes no mercado cinematográfico brasileiro funcionou como um anabolizante para o cinema da retomada. Não fosse ela, dificilmente este teria alcançado os alardeados 25% do mercado interno.
Porcentagem que se deve não apenas aos contundentes "planos de mídia" que a Rede Globo reservou aos seus produtos e aos de seus parceiros. A Globo, há tempos porta-voz da nacionalidade, trouxe para o mercado cinematográfico seu know-how na mercantilização dos temas e valores nacionais, servindo de (segunda) escola até para medalhões do cinema brasileiro que há muito ameaçavam adaptar seu vago ideário nacional-popular ao puro pragmatismo mercadológico.
Para o bem e para o mal, o cinema e a tevê nacionais estão selando um casamento duradouro. Bem-sucedidos produtos televisivos ganham os cinemas e vice-versa. Bem-sucedidos profissionais de tevê migram para o cinema e vice-versa. E é inevitável que se torne mais híbrida também a relação entre as linguagens televisiva e cinematográfica.
A tevê oferece parte de seu público como dote e ganha, em contrapartida, certa legitimidade. Não há dúvida de que a Globo soma, com o casamento, maior legitimidade à pretensão de encarnar a identidade nacional.
Consolidando sua hegemonia no mercado brasileiro, a Globo Filmes se afirma como uma alternativa imediata para a tão aguardada consolidação da indústria cinematográfica brasileira. Essa espécie de Hollywood tupiniquim em que vem se projetando faz-se um tanto evidente e auto-celebrativa nesta adaptação para o cinema da série "Os Normais".
Filme de estúdio concebido como paródia das comédias românticas americanas e parido como uma espécie de "screwball comedy" ("comédia maluca") dos anos 30/40, dado o ritmo irrefreável e a pretensa excentricidade dos diálogos, a informalidade e o perfeito entrosamento dos atores, "Os Normais - O Filme" é uma realização coletiva que demonstra certa excelência de produção.
Não se pode negar que o filme seja o bem-sucedido produto de uma dinâmica de trabalho estabelecida ao longo da série. O que se questiona é a telessociologia global. Como bom produto, "Os Normais" tem seu público-alvo: apesar de caricaturas como a personagem de Marisa Orth, Martha, que vive preocupada com seu patrimônio e gosta de fazer apostas em dólar, o filme não cola como sátira à elite nacional.
No material de divulgação, o diretor José Alvarenga Jr. ressalta a verve meio "sacana" da série. Ele poderia ter dito "politicamente incorreta" sem prejuízo de causa, o que ainda seria um tremendo eufemismo. Tenderíamos a pôr no lugar uma série de "ismos": sexismo (desbragado), materialismo (conformado), arrivismo (ligeiro) e darwinismo social explícito (seus personagens mal disfarçam seus preconceitos de classe). Reconhecemos aí alguns atributos intransferíveis de nossa elite com os quais "Os Normais" é um pouco mais do que condescendente. (TIAGO MATA MACHADO)


Os Normais - O Filme  
Produção: Brasil, 2003
Direção: José Alvarenga Jr.
Com: Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Ibirapuera e circuito



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