São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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Cinema itinerante

Fernando Donasci/Folha Imagem
Os cineastas Laís Bodanzky e Luís Bolognesi em frente à tenda do projeto Cine Tela Brasil


Caminhão pega estrada e leva "sala" brasileira à periferia de 25 cidades do interior de SP

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com os filmes de estrada (road movies) o cinema brasileiro já estava acostumado. Agora chegou a vez das estradas-de-filmes. Vinte e cinco municípios paulistas localizados ao longo de 5.000 km do sistema de rodovias Anhangüera-Bandeirantes estão no roteiro do itinerante Cine Tela Brasil.
Transportada por caminhão, a "sala" de cinema, com 225 lugares abrigados sob uma tenda, permanecerá três dias em cada cidade e promoverá quatro sessões diárias e gratuitas de filmes brasileiros.
"Castelo Rá-Tim-Bum" (1999), de Cao Hamburger, é o cartaz infantil da primeira temporada (310 sessões, até maio de 2005), ocupando o horário vespertino. "Lisbela e o Prisioneiro" (2003), de Guel Arraes, é o título escolhido para entreter o público adulto.

Dupla
A seleção dos filmes foi feita pelo casal de cineastas Laís Bodanzky e Luís Bolognesi ("Bicho de Sete Cabeças"), idealizadores também de todo o resto do projeto Cine Tela Brasil. Há oito anos a dupla tentava viabilizá-lo, pedindo a empresas que lhe destinassem parte do Imposto de Renda (como autoriza a Lei Rouanet).
"Muitos diretores de marketing [que avaliam pedidos de patrocínio às empresas] nos disseram que dariam o dinheiro no ato, desde que desistíssemos de fazer as sessões na periferia, onde não há consumidores de seus produtos, e as levássemos para os bairros de classe média", afirma Bolognesi. Nada feito.
Por trás do Cine Tela Brasil está a intenção da dupla Bodanzky/ Bolognesi de corrigir o que considera uma distorção no modelo de produção de cinema que vigora no país. Ocorre que, mesmo financiados com dinheiro público -por meio da renúncia fiscal autorizada pelas leis do Audiovisual e Rouanet, a mesma que deu ao Cine Tela Brasil a chance de obter seu patrocínio, de R$ 704 mil-, os filmes são inacessíveis à maioria da população brasileira.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) calcula que apenas 8% dos municípios brasileiros possuem cinema. No total, existem cerca de 1.900 salas no país. A baixa renda da população é outro fator que a afasta do consumo de filmes. No mercado cinematográfico é corrente a avaliação de que não chega a 8 milhões o total de brasileiros que freqüentam cinemas -onde eles existem, claro. A estimativa é feita com base no total de ingressos vendidos a cada ano e na média anual de filmes assistidos pelos habitantes das grandes cidades.
O contato com a população alheia ao cinema fez parte da rotina de Bodanzky/Bolognesi durante os anos em que a dupla percorreu o país com o Cine Mambembe (de 1996 a 2003). No lugar de um caminhão, as estradas eram cortadas pela Saveiro do casal. No bagageiro, ia o telão de 1,80 m por 3,5 m, que era instalado na praça central de vilas e povoados, para apresentar a olhos virgens de cinema exemplares da produção brasileira em curta-metragem.
O Cine Tela Brasil é a maioridade do Cine Mambembe, na definição de Bolognesi. Como todo crescimento implica perda, a estrutura (agora profissional) do projeto o deixa com menos mobilidade. Antes, qualquer ponto de tomada bastava para alimentar o projetor de 16 mm, que Laís operava pessoalmente. Agora, é necessária a energia de um poste de luz para pôr em funcionamento o projetor 35 mm e o condicionador de ar que refresca a tenda.
O trabalho braçal da dupla de cineastas também não é mais suficiente para colocar o filme na tela. Agora é preciso o trabalho direto de 18 pessoas na organização da sessão. Essa conta não inclui, por exemplo, os dois engenheiros (um de estrutura, outro elétrico) que precisam autorizar com laudos a montagem da tenda no local pretendido. O Cine Tela Brasil não poderá, portanto, visitar bibocas distantes, como fez o Cine Mambembe, pelo interior do Norte e do Nordeste do país.
A escolha das cidades a serem visitadas, aliás, foi prerrogativa do patrocinador finalmente conquistado -a CCR (Companhia de Concessões Rodoviárias). Os municípios são vizinhos das estradas administradas pela empresa, que deve exibir antes de casa sessão um filmete sobre sua atuação.
A sessão inaugural será em Jundiaí, no próximo dia 18. Até o final do ano, o caminhão visita, na seqüência, Vinhedo, Valinhos, Americana e Louveira.
Para não alongar demais as sessões, não estão por enquanto programadas exibições de curtas, formato que é o berço natural de cineastas, inclusive de Bodanzky ("Cartão Vermelho") e Bolognesi. Futuramente, a dupla pretende incrementar o Cine Tela Brasil com debates após as sessões.
O que desde já está garantido é um padrão de conforto da sala compatível com os cinemas "zona sul" e até um pouco mais: um tapete vermelho estendido nas duas portas de entrada da tenda oferecerá a pitada de "glamour com humor" pretendida pelos idealizadores do projeto. Afinal, não é porque pôs o pé na estrada que o cinema precisa perder a classe.


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