São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2010

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OPINIÃO

Pocilga era infestada por pulgas e toda sorte de degenerados

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

No fim dos anos 1990, Dee Dee Ramone, ex-baixista dos Ramones, estava morando no hotel Chelsea. Visitei-o diversas vezes no local, por conta de um projeto que acabou morrendo com o próprio Dee Dee, em 2002.
Dee Dee estava lá escrevendo um romance, "Chelsea Horror Hotel" (hotel Chelsea dos horrores).
O livro é um pesadelo lisérgico: Dee Dee é atormentado pelos fantasmas de Johnny Thunders e Sid Vicious no hotel infestado de satanistas, assassinos seriais e toda sorte de degenerados.
Não é nenhuma obra-prima, mas dá uma boa ideia do imaginário inspirado pelo local -e, claro, do estado mental de Dee Dee Ramone.
A verdade é que o Chelsea era uma pocilga. Sujo, com quartos cheirando a mofo e o "staff" mais grosseiro do planeta. Mas os turistas adoravam. Todos queriam o quarto número cem, "onde Sid matou Nancy".
Mas não havia mais quarto cem desde a morte de Nancy, em 1978.
Em sua autobiografia, o crítico musical inglês Nick Kent descreve assim sua visita ao hotel, em 1973: "O lugar era um antro de pulgas, com baratas visíveis em todos os carpetes, lençóis sujos e colchões rasgados".
Não importava. O Chelsea era um marco. Mark Twain, Arthur C. Clarke, Arthur Miller, Simone de Beauvoir e William Burroughs estiveram por lá; Kerouac, Ginsberg e os beats também. Dylan Thomas viveu e morreu lá -sofreu um colapso no quarto 205 e sucumbiu no hospital.
Leonard Cohen morou no hotel -e gravou "Chelsea Hotel #2", sobre uma noite ardente com Janis Joplin; Andy Warhol usou o Chelsea de quartel-general de sua trupe; Bob Dylan citou o local em "Sara", e Joni Mitchell gravou "Chelsea Morning", música que inspirou Bill Clinton a batizar sua filha.
Enfim, o Chelsea foi o epicentro da vida cultural e boêmia de Nova York. A exemplo de outro histórico antro de depravação nova-iorquino, o clube CBGB's, fechado em 2006, merecia melhor sorte.


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