São Paulo, sábado, 24 de outubro de 1998

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MOSTRA
O diretor indie Brad Anderson fala sobre "Próxima Parada, Wonderland", filme que tem última exibição hoje
Bossa nova intervém em filme americano

LÚCIO RIBEIRO
Editor-interino da Ilustrada

A tardinha, o barquinho, o patinho e o cinema independente norte-americano. Hoje é a última chance de assistir, na Mostra de SP, ao filme "Próxima Parada, Wonderland", comédia romântica das boas embalada da primeira à última película por ela mesmo: a bossa nova brasileira.
E a nossa bossa, que beleza, não serve apenas de trilha sonora do filme. Ela intervém na história desse produto do Sundance Festival, no gosto musical da personagem principal deste "Próxima Parada, Wonderland".
E está mais ainda na voz de um conquistador barato "brasileiro", que aparece na trama para tentar aliviar as dores do coração da protagonista, tentando convencê-la a vir com ele ao Brasil, uma "terra com o povo mais maravilhoso do mundo e onde se pode comer peixe frito à beira do mar todo dia".
"Próxima Parada, Wonderland", que começa com "Desafinado" e termina com "Wave", traz os caras-novas Hope Davis e Alan Gelfant, em uma alegre trama triste sobre destino, bem construída pelo jovem diretor Brad Anderson, de 33 anos, que durante todo o filme entrecruza a história de uma enfermeira de Boston que trabalha no turno da madrugada com a de um rapaz que acumula funções de mergulhador e de encanador no aquário da cidade.
Brad Anderson falou à Folha anteontem, por telefone, de Nova York, e explicou por que preferiu a bossa brasileira ao rock alternativo norte-americano como trilha de seu filme. E se embananou na hora de definir a palavra "saudade".

Folha - O que o levou a botar a bossa nova dentro da história de "Próxima Parada, Wonderland"?
Brad Anderson -
Eu na verdade sou apaixonado por esse tipo de música. Sei que bossa nova não é nenhuma novidade no Brasil, mas aqui nos Estados Unidos o interesse das pessoas por músicas assim está ficando bem grande. De uns dois anos para cá a lounge music tem se tornado uma tendência cada vez maior. E nela se incluem ritmos como esse tipo de jazz brasileiro que é a bossa nova. Foi meu interesse particular por bossa nova que me levou a botar essa música em meu filme. Acho que é um ritmo alegre (?!?), que casa bem com a comédia romântica que é "Próxima Parada, Wonderland".
Folha - Você já teve alguma experiência brasileira, como ter visitado o Brasil? Como se deu seu contato com a bossa nova?
Anderson -
Nunca estive no Brasil. Tenho planos de ir para aí em dezembro, sabia? De algum modo, usar o Brasil no filme foi um tipo de escape. Eu vivo em Nova York e aqui é frio, chuvoso... E, por causa desse clima difícil, lugares exóticos como Rio, São Paulo estão sempre em mente, como um tipo de rota de fuga de nossos problemas.
Folha - Não é exatamente um problema, mas é engraçado para nós do Brasil ouvir, em seu filme, o sotaque do "romântico brasileiro". Andre de Silva (Jose Zuniga) quando ele fala em português. De onde ele é?
Anderson -
Ele é americano, mas viveu muito tempo na Colômbia. Na verdade, não sei direito. Foi em algum lugar na América Latina. Soa engraçado para vocês, é? O problema é que nós não tínhamos muita noção se o português que ele falava era bom ou não. Se eu soubesse, teria feito ele treinar mais.
Folha - Você tem algum interesse especial no significado da palavra brasileira "saudade", que mereceu destaque em uma cena do filme. Foi por causa de uma velha história de que essa palavra portuguesa não tem uma exata tradução em outras línguas?
Anderson -
Eu sei dessa história. "Saudade" é uma palavra que tem muitos sentidos. De algum modo, é a palavra que descreve os sentimentos da personagem principal. Ela está à procura da felicidade, mas sabe que ela não dura muito. É como aquela música, "A Felicidade", que diz que tristeza não tem fim, mas felicidade, sim. Acho que o mais perto que a tradução inglesa pode chegar de "saudade" é com a palavra "melancholy", que é um maravilhoso e agridoce sentimento, algo como coisa boa e ao mesmo tempo ruim. Falei bobagem?
Folha - Seu filme está sendo exibido em São Paulo, na Mostra Internacional de Cinema. Como você perdeu essa chance de vir ao Brasil para apresentar seu filme tão "brasileiro"? Você não foi convidado?
Anderson -
Eu queria ir, mas disseram para viajar nesta semana. Não pude, pois estou mudando de cidade. Acabei de chegar a Nova York, vindo de Boston.
Folha - A Miramax deu a você cerca de US$ 6 milhões para a distribuição de "Próxima Parada, Wonderland" nos cinemas americanos. Não é uma quantia alta para apostar em um diretor novo do cinema independente? Você já está virando um diretor "mainstream" com seu segundo filme?
Anderson -
Acho que ainda sou o mesmo cara, mas não posso reclamar do dinheiro. É claro que a pressão aumenta. A Miramax comprou "Próxima Parada, Wonderland" por essa quantia, no Sundance Festival, e desde então o filme tem ido muito bem nas bilheterias. A compra ajuda a sacramentar a idéia de que Hollywood está levando a sério os filmes independentes. Você sabe, dinheiro fala alto. E é bem-vinda uma ajuda dessas, que serve para que você consiga mostrar seu trabalho para o maior número de pessoas possível.
Folha - Você já está preparando o sucessor de "Próxima Parada, Wonderland"?
Anderson -
Estou trabalhando em um projeto de horror, que deve ser meu próximo filme. Mas não um horror adolescente. Algo mais adulto, terror sério. Tenho a idéia de fazer um drama também. Vamos ver o que sai primeiro.
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Quando: hoje, às 18h20, no Masp
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