JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulista

Mais do que previsível, a escolha do filme "Central do Brasil", dirigido por Walter Salles, para representar o país na disputa pelo Oscar era praticamente obrigatória.
Além das qualidades intrínsecas do longa-metragem, vários outros fatores o habilitam como concorrente sério à estatueta norte-americana.
Entre eles: 1) a premiação anterior num festival de primeira linha (o Festival de Berlim deste ano); 2) o sucesso de público no país (cerca de 1,2 milhão de pessoas assistiram ao filme de Salles); 3) os temas de forte apelo emocional que aborda (relação mãe-filho, criança abandonada etc.); 4) o fato de apresentar um painel social do Brasil.
Desses fatores, os três primeiros são fatos incontestáveis, e sobre eles não há muito o que dizer.
Mas é possível -e necessário- discutir a imagem do país que é construída ao longo de "Central do Brasil".
A primeira constatação é a de que não há ricos -nem mesmo gente de classe média- no longa-metragem.
˛ Pobres e miseráveis
Os personagens se dividem em pobres (a escrevinhadora Dora, a prostituta Irene, o segurança Pedrão, o caminhoneiro César) e miseráveis (o órfão Josué, os analfabetos que recorrem a Dora, os romeiros do sertão).
Pode-se explicar esse recorte de várias maneiras: 1) a trama não comportava personagens de outras classes sociais; b) os pobres são mais adequados a um melodrama social; c) eles compõem a esmagadora maioria existente na sociedade brasileira.
Mais que isso tudo, há a opção do próprio diretor de chamar a atenção para o que ele julga mais importante no Brasil de hoje: a exclusão social.
A figura do analfabeto sintetiza como nenhuma outra a idéia do indivíduo privado não só dos bens materiais, mas também do conhecimento e da comunicação.
É alguém sem vez e sem voz no alegre mundo do consumo globalizado.
Outra constatação imediata: "Central do Brasil" é um filme em que o secular fluxo migratório campo-cidade está invertido. Os personagens partem da cidade grande para o sertão, em busca do pai de Josué. Acompanhando essa saga, descobrimos ou redescobrimos todo um país, arcaico, místico, selvagem.
˛ Dilemas
Há ainda a tentativa de sintetizar, em meia dúzia de personagens, os dilemas morais que assediam hoje os brasileiros: levar vantagem em tudo ou ser solidário? Entregar-se ao cinismo ou acreditar na possibilidade de mudança?
Há quem acuse "Central do Brasil" de ser despolitizado, por mostrar os problemas dos pobres como algo que eles mesmos criam e eles mesmos tratam de resolver. Mas dificilmente um filme estará tão sintonizado com seu país como esse.



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