São Paulo, sábado, 24 de outubro de 1998

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FOTOGRAFIA
Rio Branco verte cinema em fotografia

EDER CHIODETTO
Editor-adjunto de Fotografia

São dois livros de fotografias ou dois caminhos para a abstração que levam ao nome do artista plástico e fotógrafo Miguel Rio Branco, 52. Ele lança esta semana "Silent Book" (Cosac & Naify Edições Ltda.), um ensaio acabado, e "Miguel Rio Branco" (Cia. das Letras), um apanhado de sua obra ou, como prefere o artista, o "livro de percurso".
Por se tratar de um projeto complexo e descartar a hipótese de uma coletânea de imagens, "Silent Book" mantém uma unidade editorial rara em livros de fotografia. É como uma coerente sequência de imagens de um filme.
Se "Miguel Rio Branco" não possui a mesma unidade, conta a seu favor o fato de reunir vários trabalhos representativos desde o início da carreira do artista até hoje, inclusive fotos de instalações com vídeo como "Entre os Olhos, o Deserto", exibida no ano passado em San Diego (EUA).
O que o primeiro livro mostra em profundidade, o segundo mostra em extensão. Em ambos vislumbra-se a força da poesia trágica, escrita com luz tênue e cores fortes.
Como atestam esses livros, em Miguel Rio Branco nunca se deve ficar preso a uma imagem isoladamente. Assim como em suas instalações, em seus livros é fundamental perceber como as imagens se interligam e dialogam entre si. É por isso que a edição ou a montagem de seu trabalho são tão ou mais importantes que o ato fotográfico.
"Quando fotografo não estou necessariamente fazendo fotografia. Estou o tempo todo pensando em pintura, em cinema", diz Rio Branco, considerado, graças à forma como utiliza a cor, um dos melhores fotógrafos do mundo pela crítica especializada.
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Abstração
Nesse sentido, "Silent Book" é cinema transformado em livro, onde o roteiro esbanja suspense e, sobretudo, suspensão. Rio Branco conduz a um intrincado universo de detalhes de corpos, de animais, de vegetais geralmente mortos mas que vicejam vida na cor, na textura e denotam claramente a passagem do tempo, as marcas das histórias vividas. A sobrevida do que a sua câmera vê está na explosão da cor, no rigor da composição.
Tudo reforçado por uma luz difusa, escassa, anterior à escuridão. São flagrantes silenciosos da matéria em mutação.
Não se espere de Rio Branco, porém, uma narrativa linear. É preciso abstrair e perder de vez a necessidade atávica de querer uma historinha com começo, meio e final feliz.
Nenhuma história de vida é linear. Não há verdades absolutas e tampouco existe um final, posto que a morte é apenas mais um dos doloridos ritos humanos, assim como a paixão, como os temores.
"Incomoda-me essa linha de trabalho excessivamente referencial que tem sido feita na fotografia. Tem muita gente fazendo jornalismo para pendurar na parede. Eu sou cada vez mais atraído pela abstração. Acho que no meu próximo trabalho não vai dar para ver nada nas fotos", diz Rio Branco.
Os dois livros, na prática, reforçam a teoria de que Rio Branco é um fotógrafo que não busca temas para fotografar, mas sim conceitos para explorar.
Assim, o que ele quer dizer pode tanto estar dentro do quarto de uma prostituta, numa academia de boxe ou numa briga de galo. No limite, é como dizer que Rio Branco fotografa a si mesmo o tempo todo.
Sua predileção por ambientes marginalizados e abandonados, porém, aponta para uma saída poética muito bem captada pelo escritor e crítico de arte David Levi Strauss, no prefácio do livro da Companhia das Letras: "Quando já fomos despojados de tudo, só nos resta a beleza".
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Livro: Miguel Rio Branco
Autor: Miguel Rio Branco
Lançamento: Cia. das Letras
Quanto: R$ 65 (123 fotos/152 págs.)

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Livro: Silent Book
Autor: Miguel Rio Branco
Lançamento: Cosac & Naify Edições Ltda.
Quanto: R$ 40 (74 fotos/96 págs.)




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