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POLÊMICA
O compositor fala das reportagens e análises sobre seu livro, 'Verdade Tropical', publicadas no caderno 'Mais!'
Caetano Veloso rebate críticas da Folha
Rosane Bekierman/Folha Imagem
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Caetano Veloso rebate críticas da Folha em seu escritório no Leblon, Rio de Janeiro
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
A Folha publicou, no caderno
"Mais!" do dia 2 de novembro,
uma série de reportagens e análises
a propósito do lançamento de
"Verdade Tropical", o livro re
cém-lançado de Caetano Veloso.
O artista comentou sobre três de
las durante entrevista ao jornal, no
Rio, na última quinta-feira.
A primeira, em duas partes
-"O Tropicalismo no Cárcere"
(pág. 5-9) e "A Hidra Não Ouvia
Rock" (pág. 5-11)-, questiona
trecho do livro (leia nesta página)
que diz que os tropicalistas eram
os mais profundos inimigos do re
gime militar brasileiro.
"A Hidra Não Ouvia Rock" traz
entrevista com o general Antonio
Bandeira e o coronel Geraldo
Amaral Navarro, que estavam na
cúpula do Ministério do Exército à
época da prisão de Caetano e Gil
berto Gil, em 1968.
"Eles não tinham importância.
A prisão foi uma operação absolu
tamente desnecessária.", disse à
Folha o general Bandeira.
O segundo texto comentado,
"Sem Mentira Não se Vive", do
escritor e professor de ciências so
ciais da Universidade Federal de
Juiz de Fora (MG) Gilberto Felis
berto Vasconcellos, é uma crítica
feroz a "Verdade Tropical".
Por fim, o artigo "O Tropicalis
mo no Poder", de Marcos Augus
to Gonçalves, editor de Domingo
da Folha, analisa o livro e a trajetó
ria de Caetano desde a rebeldia dos
anos 60 até a posição hegemônica
que ocupa na MPB dos anos 90.
Leia abaixo as reações de Caeta
no aos textos do "Mais!".
Folha - Uma reportagem da Fo
lha contestou sua afirmação no li
vro de que os tropicalistas foram
os mais profundos opositores do
regime militar. O que você diz?
Caetano Veloso - Eu li a repor
tagem. Fiquei igualzinho depois
que li, como estava antes. Achei
uma reportagem um pouco fraca.
Em primeiro lugar, ir perguntar
a um chefe (militar), que vai ter a
opinião correta, que vai dizer o
que foi, já acho isso humilhante.
Em segundo lugar, de onde saiu
a idéia de que defendo no meu li
vro a tese, como está dito no jor
nal, de que nós tropicalistas éra
mos os opositores mais profundos
do regime militar? Conto que é
uma ilusão inevitável, que passou
e que apareceram confirmações
disso, e que são lembranças mi
nhas de fatos reais. Eu tive aqueles
diálogos que descrevi, entendeu?
Parece que o sujeito vai pergun
tar a um general, que diz: "Que
nada, ninguém ligava para esses
caras". No entanto, eu fiquei dois
meses na cadeia, numa solitária a
maior parte do tempo. Fiquei in
comunicável até quase o fim da
prisão. Alguém decidiu isso.
Fiquei quatro meses confinado
em Salvador, tendo que me apre
sentar a um coronel todos os dias,
e dois anos e meio exilado. E me
levaram pessoalmente para dentro
do avião. Isso é fato. Acabou.
Eu não tenho agora que esperar
um jornalista perguntar a um ge
neral: "Vem cá, o Veloso diz que
os mais profundos opositores dos
senhores eram eles. O senhor acha
isso?". O cara diz: "Quem? Caeta
no Veloso? Tropicalismo? Não sei
nem o que é".
Já fui ao Dops olhar o que tem
sobre nós. Dizia que eu andava
com Marta Alencar, com gente de
esquerda, que eu era músico. Sei
disso. Saí na passeata dos 100 mil.
Que havia uma hostilização nos
sa por parte dos manifestantes de
esquerda, havia, muito grande. Na
verdade a gente às vezes se julgava
a esquerda da esquerda, uma ul
traesquerda, e às vezes mais defen
sor do mercado. Ou uma combi
nação das duas coisas.
Que idéia é essa que eu defendo
tese? Aí o cara fala: "Não, os mais
profundos eram os da luta arma
da". Justamente eu digo que nós,
pequenos burgueses que fazíamos
música, olhávamos os caras da lu
ta armada como heróis. Víamos de
longe, porque sentíamos uma
identificação remota.
Não sou maluco, não, para me
fazer de bobo. Aquilo ali é só uma
reportagem, bastante fraca, sem
muito fundamento, para mim.
Não tem nada, é ruim jornalistica
mente, não tem muita força.
Mas então que tenha. As pessoas
também precisam saber se alguém
ainda tem algum tipo de ilusão. É
bom que leiam. Mas não é um mo
do bom de esclarecer as coisas.
Não me agregou nada, eu já sabia
de tudo aquilo, e não tem que per
guntar ao Médici. Não tem que
exumar o Médici, perguntar a ele
se o maior inimigo dele era Gilber
to Gil ou Geraldo Vandré. Não dá,
entendeu? Pelo amor de Deus!
Folha - Mas, fazendo uma con
cessão ao general, quem era mais
perigoso ao regime, Carlos Lamar
ca e Carlos Marighella ou Caetano
Veloso e Gilberto Gil?
Veloso - Não faço concessão. É
o óbvio. Eles
mataram essas
pessoas. Eles
executaram es
sas duas pes
soas. Como
pode haver dú
vida? De onde
viria talvez
uma dúvida
quanto a isso?
Não entendo.
Folha - No li
vro você diz
que era, com
Gil, o mais pro
fundo inimigo
do regime.
Veloso - Di
go o que vivi. Já
citei outras
coisas que digo
no livro que re
lativizam o
momento que
pensei isso,
que era uma
coisa pensável.
Também não é
assim. Não é
descartável.
Que valor
tem a música popular? Qual o sig
nificado de tudo isso? Não sei. Nin
guém sabe. É a busca da verdade
tropical. Isso está em princípio em
aberto. Não tenho opinião defini
da, não tenho uma tese sobre isso.
Disse que, entre outras coisas
que aparecem em diversos lugares
do livro, em determinado momen
to foi isso que vigorou na minha
mente. Eu me vi como tal.
Há momentos piores. Quando
falo que desço e enfrento os milita
res na rua em São Paulo. Digo que
nesse momento me senti superior
a Chico Buarque, Edu Lobo. Você
acha que eu quero dizer que sou
superior a essas pessoas? Eu estou
contando, me abrindo, me entre
gando, dizendo o que era a cabeça
do que acompanhava o que estava
se passando ali. Não há nenhuma
tese de que o tropicalismo era a
oposição mais profunda.
De todos os músicos populares,
o que eles mais odiavam era Geral
do Vandré, porque eles tinham um
problema pontual com Vandré,
que mencionava os militares na
quela canção. Virou questão de
honra. Eles queriam matar o Van
dré -pelo menos diziam isso
quando a gente estava preso.
Mas o fato é que Vandré fugiu,
deu para sair, e não aconteceu. O
fato é que tudo que descrevi aqui
aconteceu comigo e com Gil. São
três anos e meio da vida da gente,
no mínimo. É fogo, e só conosco.
Isso foi fundo.
Durante a prisão houve um sar
gento imbecil que falou daquela
maneira; depois houve um capitão
muito intelectualizado que falou
de outra maneira. E que confirma
va isso. As pessoas que nos pren
diam, tal como esse general que foi
entrevistado e o major que me in
terrogava, não entendiam por que
a gente estava preso. Ficavam abis
mados. Mas alguém entendia, al
guém decidiu isso.
Aí o general falou para o seu co
lega: "Qualquer um podia pren
der". No entanto, fomos buscados
em SP, que é região do 2º Exército,
e trazidos para o 1º Exército. Assis
timos a um jantar de um general
no Ministério do Exército, onde fi
camos mais de uma hora. Depois
fomos levados a uma solitária, on
de ficamos mais de uma semana.
"Qualquer chefe de quartel po
deria ter comandado a prisão."
Como? Como? Isso foi alguma coi
sa decidida. Se eu moro no 2º Exér
cito, não posso ser preso pelo 1º.
Eles têm que estar combinados pa
ra que isso aconteça e não haja um
escândalo e um problema entre
eles. Não houve.
O Randal Juliano foi mandado
buscar e disseram: "Não, não vai".
O major ficou irado, disse na mi
nha cara que estava envergonha
do, que era uma vergonha, porque
exigiu a acareação e eles não man
davam o homem.
Então isso é a verdade, são os fa
tos, foi o que se deu. O que você
quer que eu sinta diante daquela
mixaria daquela reportagem? Não
sinto nada.
Folha - Talvez se torne uma ques
tão semântica -a frase dita no li
vro é tomada de forma tão rigoro
sa até porque o livro se chama
"Verdade Tropical".
Veloso - Mas quando eu falei
que éramos os inimigos mais pro
fundos?
Folha - Está escrito numa página
do livro.
Veloso - O livro não é para de
fender essa tese. Isso é má-fé. É não
querer ler o livro ou tirar dele uma
coisa que não é o que o livro diz.
Folha - Você não acha má-fé
qualquer coisa que se diga ao con
trário do que você disse?
Veloso - Não, de forma nenhu
ma. Eu sou excelente discutidor.
Isso que vi no seu jornal é má-fé,
não dá para mim. Mas o jornal tem
que viver disso.
Folha - O arti
go de Gilberto
Vasconcellos
pode se encai
xar nisso?
Veloso -
Não. Eu havia
lido o livro dele
e gostei, sob
certos aspec
tos. Sobretudo
na importância
que ele dá ao
Iseb em relação
ao Cebrap. Eu
simpatizo com
isso, fui brizo
lista quando o
brizolismo foi
possível. Ago
ra, o candidato
a presidente de
Glauber Rocha
era Antônio
Carlos Maga
lhães. Isso é fo
foca que lhe
conto. Ele era
mais bairrista
do que eu.
Eu discorda
va, mas achava
interessante,
como tudo que
o Glauber fala
va. Gosto do
Antônio Car
los, ele é o Bri
zola da direita.
Brizola é o An
tônio Carlos da
esquerda.
Gilberto Vas
concellos é in
teressante, mas
escreveu um livro sobre música
popular. Hoje ele está revoltado
contra essa música. Acho o livro
simpático em alguns aspectos.
Adoro o que ele pegou de Glauber
falando sobre FHC. O proveito que
tira é muito bom.
Folha - O artigo não chegou a lhe
aborrecer, então?
Veloso - Não, porque é uma re
petição do livro, que já tinha me
aborrecido muito menos que essa
aparente sensatez equilibrada de
perguntar ao general. O negócio
do Gilberto é engraçado.
Folha - E o artigo de Marcos Au
gusto Gonçalves?
Veloso - É ruim à beça. Repre
senta isso tudo que falei de ruim da
imprensa. Desde o "Roda Viva",
ele fala da revista "Caras". Não fa
lo há oito anos com a revista "Ve
ja". Processei a "Amiga" e ganhei.
Fica essa coisa da "Caras". Eu
sou uma celebridade. Vou fingir
que não sou para agradar aos sub
sofisticados? Isso é uma besteira.
Depois ele dá uma visão de FHC,
de que estou no poder com ele.
Que diabo? Ele é presidente, não
tenho nada com isso. Sou livre, fa
lo o que quiser de quem eu quiser.
Que poder coisa nenhuma.
Há coisas que são evidências que
as pessoas por doença querem
omitir. "Tieta do Agreste" é um
dos melhores filmes já feitos no
Brasil em todos os tempos. Quan
do vejo isso ser mal situado da rea
lidade das coisas, me sinto só.
"O Globo" botava o bonequi
nho dormindo. Eu tenho visto ou
tros filmes que eles botam o bone
quinho aplaudindo e fico me per
guntando: por que será que fize
ram aquilo com "Tieta"? Porque é
bom, porque está entre os dez me
lhores filmes já feitos no Brasil.
Dizer que eu hoje em dia estou
aburguesado? Quando o tropica
lismo estourou, comprei uma
mercedes e passei a morar num
apartamento de luxo na avenida
São Luís, quando o centro de São
Paulo ainda era respeitável.
Vai falar da minha burguesia
agora, porque apareci na "Caras"?
Não entendi. Isso é burguesia?
Não. Somos emergentes, países
emergentes. Temos que saber ser
emergentes. É por isso que eu luto.
Eu sou rebelde. Jornalismo é um
problema, é um tipo de poder
muito mais chato até que o poder
político. Mas é bom, precisa ter.
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