São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

"BASTIDORES"

Cantor niteroiense é alvo de biografia que revisa idolatria das fãs nos anos 50, armações e sexualidade

"To be or not to be?", pergunta Cauby

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Cauby Peixoto, 70, posa em seu apartamento, em Copacabana


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Após uma manhã de entrevistas para apoiar a divulgação de "Bastidores - Cauby Peixoto - 50 Anos da Voz e do Mito", livro que considera sua biografia definitiva, Cauby Peixoto, 70, está cansado.
Diabético e ainda se recuperando de cirurgia para implantar pontes de safena, ele exige trocar de roupa a cada novo fotógrafo que entra, para não repetir o modelo. Quando chega a vez da Folha, está desconcentrado, responde navegando num oceano próprio e bravio de divagações.
Único homem entre muitas divas de voz rasgada da exagerada década de 50, o niteroiense exagera uma vez mais e diz, sobre o livro de Rodrigo Faour, 29: "Será o meu grande momento".
Fala sobre a polêmica ligação com o empresário Edson di Veras (hoje com 87 anos), que em meados dos anos 50 ajudou a forjá-lo como artista e produto, providenciando desmaios de fãs, roupas mal alinhavadas que se rasgavam com facilidade ao (imenso) assédio das fãs e uma penca de sucessos que viajaram sem cerimônia do mais cafona ao mais elegante.
Fala das pressões e das contradições em que se meteu. Como se definir sexualmente? Encarnar um Frank Sinatra tropical ou escancarar o kitsch bem brasileiro dentro dele? Exprimir as vontades de Di Veras ou sua própria personalidade? "É o "to be or not to be". O glamour, a educação, a postura, a humildade, a simplicidade. São qualidades admiradas por todos nós. Eu também gosto de gente assim", divaga, autodefinindo-se.
Fala, fala e se cansa. Pede que biógrafo, repórter, fotógrafa e assessora deixem seu apartamento, para que possa descansar. Acena um tchau já de pijama e chinelas e se resguarda, ladeado pela fã que virou guardiã Nancy e pela empregada/enfermeira/babá Lúcia, 25, fã descabelada de Angela Maria que acabou cuidando do outro grande ícone kitsch brasileiro.

Folha - Qual é sua melhor lembrança em 50 anos de carreira?
Cauby Peixoto -
Todas. Uma vez eu estava meio desligado e falei que não tinha saudade. Estava meio fora do ar, não é verdade. Uma carreira como a minha... É muito difícil, até hoje em dia, alguém fazer o que Di Veras fez. Como bom aluno, fui fazendo o que ele queria. Ele nasceu para ser um cantor, mas não deu certo. Ele dizia: "Eu sou ruim". Então fez de mim aquilo que ele gostaria de ser, o cantor que ele gostaria de ser. Aí jogou essa coisa que eu até então não tinha, essa inteligência com a mídia, marketing e tal. E eu só falava sim, sim, sim, sim.

Folha - Você sufocou sua própria personalidade para obedecê-lo?
Cauby -
Não, não. Encontrá-lo foi como ganhar na loteria, se bem que me seguro mais na voz. Fiz tudo por mim, não por ele. Depois, passei a ver artistas brasileiros, me impressionei muito com Ney Matogrosso, Bethânia. Di Veras não gostava dos penteados nem das roupas extravagantes. Eu é que fui colocando. As pessoas confundem muito com machismo, têm problema, complicação. Mas nada é complicado para mim. O artista tem que ter coragem, enfrentar. Aí chamam a gente de louco, disso, daquilo. "Ih, esse cara aí, não sei, não..."

Folha - Sua carreira o fez sofrer?
Cauby -
Não, não, fui superfeliz. Tive o dedo de Deus. Como um garoto que não sabia nada sai de repente de São Paulo [onde Cauby morava no início dos 50" com um estranho [Di Veras", sem saber o que ia acontecer? É preciso alguma ajuda divina, sabe? Vim, e aconteceu tudo isso. Mas sofrimento? No amor... No amor, sempre. Fracasso... Tive que renunciar. Aliás, o maior sentimento do amor é a renúncia.

Folha - Di Veras querer que você trocasse todos os dentes por uma prótese não foi um episódio cruel?
Cauby -
Não, não. Fui eu que fiz. Não sei se sofri por isso, não. A vaidade não me deixou sofrer. O nariz é torto? Conserta. Ih, como fiz essas coisas. Ruim é não falarem da gente, é ficar no ostracismo. O artista tem que ter personalidade. Nem penso se fulano é homem ou não é, se é mulher ou não é. Ou me arrepia ou não. Aplaudo ou vou embora.

Folha - Segundo o livro, você cometeu vários exageros ao longo de sua carreira. Você concorda?
Cauby -
Concordo. Por causa do machismo do Di Veras. Exagerei porque ele queria que eu fosse um cantor sério. Sério eu seria o quê? Uma cópia do Frank Sinatra, de smoking, casado, com filho.


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