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Elza Soares e Maria Alcina reinventam suas musicalidades ao lado da nova cena eletrônica de São Paulo
Orgânicas elétricas
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Orgânicas, elétricas, agora eletrônicas. Sob orientação de artistas da nova cena eletrônica de São Paulo, a carioca Elza Soares, 73, e
a mineira Maria Alcina, 54, vivem
momento de, novamente, revirar
ao avesso suas musicalidades.
As experiências têm origens
contíguas. Ambas participaram,
em julho passado, do festival
Com:Tradição, concebido pelo
produtor paulistano Alex Antunes como um evento em que artistas ainda pouco conhecidos
criariam o novo reverenciando
pilares da tradição brasileira.
Elza se apresentou com a entidade eletrônica Mugomango, cujo mentor, Arthur Joly, 26, agora
responde pela produção de seu
disco "Vivo Feliz". Consolidada
no mercado independente, Elza
bancou o trabalho com Joly e
Marcelo Ozorio, 27, condutores
do selo artesanal Reco-Head.
Alcina, por sua vez, relançou-se
no Com:Tradição numa impactante apresentação com o grupo
Bojo, cujos integrantes oscilam
entre 32 e 40 anos de idade.
Agora, "Agora" registra em disco o encontro entre o quarteto
eletrônico vanguardista e a cantora que surgiu em 73 cantando
"Fio Maravilha", de Jorge Ben, e
compondo uma cena de rock-MPB andrógino com os Secos &
Molhados de Ney Matogrosso.
O disco sai pelo selo Outros Discos, distribuído (como o CD de
Elza) pela Tratore, que tem como
sócio Maurício Bussab, 40, um
dos fundadores do Bojo.
Alcina sintetiza o significado de
veteranas como ela e Elza cederem aos encantos de músicos e sonoridades jovens. "Quando surgiu a idéia do Com:Tradição, os
meninos disseram que iam me
mandar uns CDs deles antes, para
eu não me assustar. Respondi:
"Por favor, me surpreendam, quero que alguém me chacoalhe"."
Para Elza, a empreitada nem
soou como novidade. "Sempre fiz
isso, sempre gostei de estar com
Lobão, Titãs, Cazuza. É dando
que se recebe, a arte é isso."
Mesmo inserida em contexto
que já conhece bem, Elza se considera "atrevida" por adicionar ao
rótulo de sambista funk eletrônico, drum'n'bass e hip hop. Nas
duas últimas modalidades, conta
com a colaboração de outro jovem, Anderson Lugão, 27, ator,
compositor e seu atual marido.
O conceito "com:tradição" está
presente nos dois trabalhos. Elza
remodela Zé Keti e Paulo Vanzolini, mas subverte o mangue beat
de Fred Zeroquatro e o pop de
Nando Reis. Alcina canta Ary
Barroso, Paulo da Portela e Secos
& Molhados, mas abraça o jovem
Wado e inéditas do Bojo.
Os moços mal entendem o porquê de se associarem com o passado da MPB. "As circunstâncias
nos guiaram. Elza estava sem gravadora. Eu tinha a minha, tenho
um estudiozinho, podia produzir", conta Joly. "Modernizar o
passado era mesmo o projeto",
diz Anderson, que pescou a hoje
balada eletrônica "Eu Gosto da
Minha Terra" no repertório de
Carmen Miranda.
De passagem, Elza defende o casamento com Anderson: "Nunca
vi gay velho casado com gay velho. Estão sempre com mocinho,
dizem que é "sobrinho" e ninguém
fala nada. Por que eu não posso?".
Em território vizinho, o Bojo diz
não temer a identificação que Alcina costuma conquistar em
meios gays. "Sou suspeito para falar, mas o Bojo é uma banda GLS
total", brinca o DJ Fe Pinatti, 39.
Por último, é hora de as damas
relatarem a experiência de acomodarem suas vozes aos recursos
eletrônicos de seus rapazes.
"É aceitação total, porque minha voz já é eletrônica. É o gogó
eletrônico", brinca Elza, fazendo
em seguida a voz vibrar no artifício metálico já conhecido. Alcina
se inflama: "A música eletrônica
entra na gente, chacoalha. A nega
está ficando um pouquinho acesa.
Estou sozinha atualmente, escreve aí, já estou ficando excitada".
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