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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Documentário coloca os sem-teto paulistanos em foco
Mocarzel retoma olhar "à margem"
EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
A tetralogia de Evaldo Mocarzel
sobre a cidade à margem de São
Paulo surgiu em 2003 nas filmagens de "À Margem da Imagem",
seu primeiro documentário em
longa-metragem. Entrevistados à
época pelo diretor, catadores de
papel e sem-teto preferiram não
aparecer no filme. Argumentaram que a sua realidade era específica e diferente da dos moradores de rua retratados naquele primeiro filme, e que merecia um
documentário só para eles.
Mocarzel, que discutia ali justamente a estetização da miséria e
"o roubo da imagem" de quem vive a exclusão social, anuiu, e assim vieram os projetos de "À
Margem do Lixo", "À Margem do
Consumo" e "À Margem do Concreto" -este será exibido hoje à
noite na mostra competitiva do
38º Festival de Brasília.
No filme, rodado em nove dias,
e extraído de 140 horas de material bruto, Mocarzel continua investigando o que chama de "estratégias de sobrevivência" dos
que estão à margem da capital
paulista, desta vez com foco nos
movimentos de moradia.
O longa tem quatro blocos: no
primeiro são apresentadas as ocupações organizadas e seis de seus
principais líderes, como Gegê, do
Movimento de Moradia do Centro (MMC) e irmão do cantor
Chico César, e Verônica Kroll, do
Fórum dos Cortiços, responsável
pela ocupação do antigo hotel São
Paulo, no Vale do Anhangabaú,
um prédio de 22 andares.
"O socialismo não morreu. Prova disso são essas pessoas que enfrentam a polícia, resistem e adquirem direito de posse para famílias carentes", ressalta Mocarzel, tirando dados da manga.
"Somente na área da praça da
República, em São Paulo, há uma
taxa de desocupação de imóveis
que chega a 30%. É natural que estas famílias queiram ir para lá, por
causa do trabalho, porque o trânsito na cidade é caótico, porque
gastam muito dinheiro com
transporte. E a Constituição fala
do direito à moradia."
No segundo bloco do documentário, Mocarzel mostra a rotina
nos "condomínios improvisados", com regras de convivência,
rateio de contas, revezamento na
limpeza etc.
O terceiro acompanha o trabalho destes moradores do lado de
fora dos prédios ocupados, gente
que engrossa as estatísticas de trabalho informal ou subemprego.
E o último bloco do documentário revela como funciona uma
ação de ocupação, da pressão pelo
contingente -famílias que não
vão ficar lá acabam participando
por solidariedade- à pressão política, que envolve instituições religiosas e a mídia.
"Nós acompanhamos desde as
reuniões clandestinas até a ocupação em si", conta o diretor. Mocarzel ressalta o impacto do desfecho de seu documentário, que
mostra a reação da Polícia Militar,
que retira e dissipa os sem-teto
com bombas de gás lacrimogêneo
e afins.
Comparações
Nos últimos três anos, Mocarzel
filmou cinco documentários.
Além da tetralogia, rodou "Mensageiras da Luz - Parteiras da
Amazônia", "Do Luto à Luta" e
"Jardim Ângela", este ainda não-finalizado, que retrata o bairro na
periferia de São Paulo.
Um dos mais premiados documentaristas brasileiros da recente
safra - somente "À Margem da
Imagem" recebeu 20 láureas em
festivais nacionais e internacionais-, Mocarzel, 45, não se vê, no
entanto, como uma segunda unanimidade no gênero, colado ali no
ranking com Eduardo Coutinho.
"As premiações são boas,
abrem as portas. Mas não me vejo
como uma unanimidade", diz o
diretor, que confessa sua identificação com Coutinho pelo olhar
humanista.
"Sou um ficcionista, não quero
só a representação do real, quero
buscar histórias de vida, para futuramente fazer ficção, que é o
que me levou ao cinema", diz Mocarzel. "Aprendi muito com "À
Margem do Concreto". O documentário é maravilhoso porque
permite uma imersão numa realidade com que não temos contato,
e que tem uma inverossimilhança
incrível."
O jornalista Eduardo Simões viajou a convite do festival
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