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Cinema
Brasília se divide por "Jardim Ângela"
Documentário de Evaldo Mocarzel tem boa recepção do público do festival, mas não agrada a parte da imprensa especializada
Projeto surgiu de oficina comandada pelo cineasta com alunos da região de SP que buscavam mostrar o "lado bom da periferia"
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
"Jardim Ângela", documentário dirigido por Evaldo Mocarzel que abriu a disputa do
39º Festival de Brasília, arrancou aplausos da platéia, anteontem à noite, mas desagradou a maior parte da imprensa
especializada que acompanha o
festival, como ficou claro nos
comentários pós-filme.
Mocarzel dedicou a sessão
oficial competitiva de "Jardim
Ângela" "à tecnologia digital",
que, segundo ele, promove
"uma revolução silenciosa na
história do cinema brasileiro".
A revolução consistiria no fato de que as camadas miseráveis da população começam a
produzir uma representação
audiovisual própria, deixando
de ser apenas alvo do olhar de
cineastas, alheios à sua realidade. A auto-representação estaria sendo possível pelo barateamento dos meios de produção
de cinema, com a disseminação
da tecnologia digital.
"Jardim Ângela" é uma tentativa de Mocarzel de unir os
dois pontos de vista -o seu e o
de seus retratados, jovens do
bairro da periferia paulistana
que dá título do longa.
Os jovens eram alunos de
Mocarzel numa oficina de produção audiovisual. A intenção
de mostrar "o lado bom da periferia" domina as propostas da
turma, mas o documentário se
concentra no grupo que busca
retratar o alcoolismo do ponto
de vista de um dependente.
Numa das aulas, Washington
Silva tira a camisa diante da câmera, exibe cicatrizes de tiro e
drenos e relata o momento em
que recebeu o disparo, após discussão com um chefe do tráfico
para quem trabalhava.
"Se eu filmasse essa cena, seria apelativo", diz Mocarzel.
"Mas, quando ele confecciona
sua história a partir das marcas
do corpo, nasce o documentário. É um diálogo com o acaso."
Silva quer fazer um vídeo ultraviolento. As também alunas
Ana Cláudia Silva e Dinalva dos
Santos (que vieram a Brasília),
não. Do atrito entre eles surge o
melhor de "Jardim Ângela".
O filme toma partido de Silva, seduzido por seu histórico
de crimes, fugas da polícia, detenções e desagregação familiar. E aí está o paradoxo que
ressalta no filme de Mocarzel:
embora o diretor tenha criticado o apetite da "grande mídia"
para segregar as periferias no
tema exclusivo da violência, ao
introduzir seu filme em Brasília, "Jardim Ângela" deixa "o lado bom da periferia" mais uma
vez escanteado.
A jornalista SILVANA ARANTES viaja a convite
da organização do festival
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