São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

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Cinema

Brasília se divide por "Jardim Ângela"

Documentário de Evaldo Mocarzel tem boa recepção do público do festival, mas não agrada a parte da imprensa especializada

Projeto surgiu de oficina comandada pelo cineasta com alunos da região de SP que buscavam mostrar o "lado bom da periferia"


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

"Jardim Ângela", documentário dirigido por Evaldo Mocarzel que abriu a disputa do 39º Festival de Brasília, arrancou aplausos da platéia, anteontem à noite, mas desagradou a maior parte da imprensa especializada que acompanha o festival, como ficou claro nos comentários pós-filme.
Mocarzel dedicou a sessão oficial competitiva de "Jardim Ângela" "à tecnologia digital", que, segundo ele, promove "uma revolução silenciosa na história do cinema brasileiro".
A revolução consistiria no fato de que as camadas miseráveis da população começam a produzir uma representação audiovisual própria, deixando de ser apenas alvo do olhar de cineastas, alheios à sua realidade. A auto-representação estaria sendo possível pelo barateamento dos meios de produção de cinema, com a disseminação da tecnologia digital.
"Jardim Ângela" é uma tentativa de Mocarzel de unir os dois pontos de vista -o seu e o de seus retratados, jovens do bairro da periferia paulistana que dá título do longa.
Os jovens eram alunos de Mocarzel numa oficina de produção audiovisual. A intenção de mostrar "o lado bom da periferia" domina as propostas da turma, mas o documentário se concentra no grupo que busca retratar o alcoolismo do ponto de vista de um dependente.
Numa das aulas, Washington Silva tira a camisa diante da câmera, exibe cicatrizes de tiro e drenos e relata o momento em que recebeu o disparo, após discussão com um chefe do tráfico para quem trabalhava.
"Se eu filmasse essa cena, seria apelativo", diz Mocarzel. "Mas, quando ele confecciona sua história a partir das marcas do corpo, nasce o documentário. É um diálogo com o acaso."
Silva quer fazer um vídeo ultraviolento. As também alunas Ana Cláudia Silva e Dinalva dos Santos (que vieram a Brasília), não. Do atrito entre eles surge o melhor de "Jardim Ângela". O filme toma partido de Silva, seduzido por seu histórico de crimes, fugas da polícia, detenções e desagregação familiar. E aí está o paradoxo que ressalta no filme de Mocarzel: embora o diretor tenha criticado o apetite da "grande mídia" para segregar as periferias no tema exclusivo da violência, ao introduzir seu filme em Brasília, "Jardim Ângela" deixa "o lado bom da periferia" mais uma vez escanteado.


A jornalista SILVANA ARANTES viaja a convite da organização do festival

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