São Paulo, quarta, 24 de dezembro de 1997.




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Trinta e oito anos depois de sua estréia no TBC, texto de Dias Gomes ganha primeira montagem brasileira ao ar livre, nas escadarias da igreja da Glória
"O Pagador de Promessas" ganha montagem de rua

CELSO FIORAVANTE
enviado especial ao Rio

Há 38 anos, Zé do Burro, o personagem principal de "O Pagador de Promessas", deixou seu sítio, no interior da Bahia, pela primeira vez. Foi, com uma cruz nas costas, igual à de Cristo, pagar uma promessa na igreja de Santa Bárbara mais próxima. Pagou, mas com a vida, e depois de enfrentar todo tipo de intolerância humana e o total cerceamento de sua liberdade.
De lá para cá, a trama vem se repetindo, com a mesma atualidade, nos palcos do mundo inteiro (só na Polônia, foram quatro montagens diferentes). Curiosamente, porém, só em 1998 o Brasil vai ver a sua primeira montagem profissional ao ar livre, justamente o palco onde a trama se desenvolve. "Só sei de uma montagem de um grupo mexicano em Nova York. No Brasil, nunca tive notícia. Já existiram projetos, mas não sei de ninguém que a tenha concretizado. A idéia sempre me seduziu muito, embora saiba que, em termos de dramaturgia, ela funcione mais dentro do teatro", disse Dias Gomes, o autor da peça, à Folha.
Patrícia Santos/Folha Imagem
Dias Gomes em frente à igraja da Glória, no Rio, cujas escadarias servirão de palco para a montagem de "O Pagador de Promessas"


A montagem, prevista para as escadarias da igreja da Glória, no Rio, é um projeto da atriz Kátia Brito. "Escolhi o texto pois ele trabalha o tempo todo com o conceito da liberdade, e isso se reflete também na liberdade formal que a montagem pode ter. Os personagens também são muito alegóricos e isso combina muito bem com o teatro de rua, pois eles funcionam como as máscaras do teatro grego", disse Brito à Folha.
É o próprio Dias Gomes quem está atualizando o roteiro. "Preciso trabalhar a parte referente à questão da terra. 'O Pagador de Promessas' foi encenado em 1960 pela primeira vez, e naquela época o termo 'reforma agrária' era um palavrão, algo totalmente subversivo. Hoje, a reforma agrária não tem mais essa conotação comunista. É por isso que ela precisa ser atualizada, pois a questão da terra permanece. No restante, a peça é atual. Fala da liberdade de escolha, que existe em qualquer época e qualquer país", disse.
A direção vai ficar por conta do mineiro Gabriel Villela, que pretende levá-la depois para dentro do teatro da Glória, onde é diretor e montou recentemente "Morte e Vida Severina". A trilha sonora fica por conta de Nelson Ayres (leia texto abaixo). A iluminação é de Peter Gasper. O elenco ainda está aberto, mas Dias Gomes quer ver Luís Melo interpretando Zé do Burro e Paulo Betti no papel de Bonitão. Rosa, a mulher de Zé do Burro, será interpretada pela própria Kátia Brito.
A estréia está prevista para 1º de março e seu calendário privilegiará datas festivas, como Sexta-Feira Santa, Páscoa e Dia do Trabalho. "Toda a trama se desenvolve antes de e durante uma festa popular e a idéia é preservar isso. Vai ter rodas de capoeira, venda de acarajé e caruru, música ao vivo, jogos e fogos de artifício", disse Brito.
"O Pagador de Promessas" ficou internacionalmente conhecido a partir de 1962, quando sua adaptação para o cinema, dirigida por Anselmo Duarte, conquistou a Palma de Ouro em Cannes (nenhum outro filme brasileiro repetiu a façanha desde então).
Em 1988, o texto ganhou uma montagem para a TV, em minissérie dirigida por Tizuka Yamazaki.
A igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, palco da peça, vai estar em festa no ano que vem. Além de sua festa oficial, em agosto, e da montagem de "O Pagador de Promessas" em suas escadarias, em março, a igreja comemora ainda, em 4 de maio, o cinquentenário de sua declaração como patrimônio histórico nacional.



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