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LIVRO/LANÇAMENTO
Entre raridades recolhidas, estão registros da natureza brasileira nas tapeçarias francesas de Gobelin
Iconografia desenha Brasil sob holandeses
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
A tarefa é monumental: resgatar
o que for possível da iconografia
sobre o Brasil holandês, o período
no século 17 em que boa parte do
Nordeste esteve nas mãos da
Companhia das Índias Ocidentais
holandesa. E os resultados têm sido impressionantes.
Acaba de ser lançado um sétimo
conjunto de livros, composto de
mais três volumes de imagens raras e inéditas da chamada coleção
"Brasil Holandês", da editora Índex, patrocinada pela Petrobras.
Não se trata de uma área propriamente virgem. Várias exposições nos últimos anos têm mostrado quadros de Frans Post e Albert Eckhout ou desenhos do naturalista Georg Marcgrave.
Hoje pode-se dizer que já são
velhos conhecidos do público
brasileiro os enormes quadros de
Eckhout mostrando índios como
os tapuias, por exemplo.
A produção artístico-científica
desses e de outros nomes que
acompanharam os governantes
holandeses, especialmente o mais
ilustrado deles, João Maurício de
Nassau-Siegen, só voltou a ter
uma rival quando a corte portuguesa veio ao Rio de Janeiro em
1808, expulsa por Napoleão.
De 1630 a 1654, os invasores holandeses produziram mais arte e
mais ciência do que tudo que os
portugueses tinham feito desde o
descobrimento, em 1500.
O que esses senhores produziram não interessa somente ao
Brasil, contudo. Basta ver o tema
de um dos novos volumes.
Trata-se da incorporação de temas da natureza brasileira nas famosas tapeçarias francesas de Gobelin. Uma das mais famosas séries de tapeçarias foi baseada em
pinturas de Eckhout, adaptadas
pelo pintor francês François Desportes.
Descobrir essas tapeçarias envolve certo trabalho de detetive,
como já aconteceu em volumes
anteriores da coleção.
O primeiro volume descreve os
documentos de Cracóvia, na Polônia, que faziam parte da antiga
biblioteca do príncipe Frederico
Guilherme, eleitor de Brandeburgo (Alemanha), e foram parar ali
por ocasião da Segunda Guerra.
Ficaram inacessíveis até o comunismo acabar na Polônia. Para fazer as reproduções, a equipe da
Índex ficou quatro meses na Cracóvia, segundo a editora Cristina
Ferrão.
Foram realizadas duas séries de
oito tapeçarias cada uma, chamadas Grandes Índias e Pequenas
Índias, que se dispersaram pela
Europa. As primeiras foram mandadas fazer pelo rei francês Luís
14, para presentear a seus pares
nas outras cortes européias.
Segundo a editora Índex, "dessa
série, das Grandes Índias, conhecem-se apenas duas, uma que foi
destinada à imperatriz da Áustria
Maria Tereza e outra ao arcebispo
de Praga. A série que se encontrava em Versailles desapareceu
após a Revolução Francesa.
A série das Pequenas Índias encontra-se dispersa sendo a única
completa encontrada no palácio
presidencial em Malta. São obras
da mais alta manufatura e nelas
podemos encontrar para além
dos animais e plantas, cenas do
Brasil holandês.
O segundo volume também envolve um périplo europeu. Os painéis "Alegoria dos Continentes",
de Jan van Kassel, estão em Munique e em Madri.
As imagens e os animais que fazem parte delas são minuciosamente estudados por Dante Martins Teixeira, biólogo do Museu
Nacional, do Rio.
Os animais e plantas desenhados pelos artistas a soldo dos holandeses não eram uma representação fiel da natureza local, mas
sim das "espécies relevantes ao
projeto colonial", como declarou
Teixeira em uma palestra recente.
Outro volume trata de um manuscrito recentemente descoberto, um diário de viagem de Marcgrave ao interior do Ceará, com
comentários do pesquisador
Ernst van den Boogaart, de Amsterdã.
Textos e imagens continuam
sendo resgatados em pleno século
21 de arquivos onde ficam desconhecidos.
Boogaart, na mesma palestra
em São Paulo, lembrou o "caso do
arenque desaparecido", uma imagem de um peixe nordestino que
foi procurada com tenacidade de
um Sherlock Holmes por um ictiólogo, pois ajudaria a resolver
um problema de classificação
zoológica. O desenho era um dos
que estavam na Polônia.
Os autores da coleção mostram
uma dedicação impressionante
pelos temas.
O holandês B.N. Teensma, por
exemplo, descreveu em um dos
volumes da segunda coleção a
missão de Rodolfo Baro junto ao
cacique Nhanduí, na serra de Macanguá, Rio Grande do Norte, em
1647. Baro, criado pelos tapuias,
conta em detalhes a vida da tribo.
Teensma, que também esteve
na recente palestra em São Paulo,
descreveu o tedioso e delicado
processo de restauração dos nomes no diário, que só existe em
uma tradução corrupta em idioma francês. "Passei todo um inverno corrigindo o diário", diz ele. E no ano seguinte veio ao Brasil refazer pessoalmente o trajeto de Baro no interior do Nordeste.
COLEÇÃO BRASIL HOLANDÊS -
Organizadores: Dante Martins Teixeira,
Ernst van den Boogaart e Rebecca Parker
Brienen. Editora: Índex. Quanto: R$ 110
(292 págs., três volumes).
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