São Paulo, terça-feira, 24 de dezembro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

Entre raridades recolhidas, estão registros da natureza brasileira nas tapeçarias francesas de Gobelin

Iconografia desenha Brasil sob holandeses

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A tarefa é monumental: resgatar o que for possível da iconografia sobre o Brasil holandês, o período no século 17 em que boa parte do Nordeste esteve nas mãos da Companhia das Índias Ocidentais holandesa. E os resultados têm sido impressionantes.
Acaba de ser lançado um sétimo conjunto de livros, composto de mais três volumes de imagens raras e inéditas da chamada coleção "Brasil Holandês", da editora Índex, patrocinada pela Petrobras.
Não se trata de uma área propriamente virgem. Várias exposições nos últimos anos têm mostrado quadros de Frans Post e Albert Eckhout ou desenhos do naturalista Georg Marcgrave.
Hoje pode-se dizer que já são velhos conhecidos do público brasileiro os enormes quadros de Eckhout mostrando índios como os tapuias, por exemplo.
A produção artístico-científica desses e de outros nomes que acompanharam os governantes holandeses, especialmente o mais ilustrado deles, João Maurício de Nassau-Siegen, só voltou a ter uma rival quando a corte portuguesa veio ao Rio de Janeiro em 1808, expulsa por Napoleão.
De 1630 a 1654, os invasores holandeses produziram mais arte e mais ciência do que tudo que os portugueses tinham feito desde o descobrimento, em 1500.
O que esses senhores produziram não interessa somente ao Brasil, contudo. Basta ver o tema de um dos novos volumes.
Trata-se da incorporação de temas da natureza brasileira nas famosas tapeçarias francesas de Gobelin. Uma das mais famosas séries de tapeçarias foi baseada em pinturas de Eckhout, adaptadas pelo pintor francês François Desportes.
Descobrir essas tapeçarias envolve certo trabalho de detetive, como já aconteceu em volumes anteriores da coleção.
O primeiro volume descreve os documentos de Cracóvia, na Polônia, que faziam parte da antiga biblioteca do príncipe Frederico Guilherme, eleitor de Brandeburgo (Alemanha), e foram parar ali por ocasião da Segunda Guerra. Ficaram inacessíveis até o comunismo acabar na Polônia. Para fazer as reproduções, a equipe da Índex ficou quatro meses na Cracóvia, segundo a editora Cristina Ferrão.
Foram realizadas duas séries de oito tapeçarias cada uma, chamadas Grandes Índias e Pequenas Índias, que se dispersaram pela Europa. As primeiras foram mandadas fazer pelo rei francês Luís 14, para presentear a seus pares nas outras cortes européias.
Segundo a editora Índex, "dessa série, das Grandes Índias, conhecem-se apenas duas, uma que foi destinada à imperatriz da Áustria Maria Tereza e outra ao arcebispo de Praga. A série que se encontrava em Versailles desapareceu após a Revolução Francesa.
A série das Pequenas Índias encontra-se dispersa sendo a única completa encontrada no palácio presidencial em Malta. São obras da mais alta manufatura e nelas podemos encontrar para além dos animais e plantas, cenas do Brasil holandês.
O segundo volume também envolve um périplo europeu. Os painéis "Alegoria dos Continentes", de Jan van Kassel, estão em Munique e em Madri.
As imagens e os animais que fazem parte delas são minuciosamente estudados por Dante Martins Teixeira, biólogo do Museu Nacional, do Rio.
Os animais e plantas desenhados pelos artistas a soldo dos holandeses não eram uma representação fiel da natureza local, mas sim das "espécies relevantes ao projeto colonial", como declarou Teixeira em uma palestra recente.
Outro volume trata de um manuscrito recentemente descoberto, um diário de viagem de Marcgrave ao interior do Ceará, com comentários do pesquisador Ernst van den Boogaart, de Amsterdã.
Textos e imagens continuam sendo resgatados em pleno século 21 de arquivos onde ficam desconhecidos.
Boogaart, na mesma palestra em São Paulo, lembrou o "caso do arenque desaparecido", uma imagem de um peixe nordestino que foi procurada com tenacidade de um Sherlock Holmes por um ictiólogo, pois ajudaria a resolver um problema de classificação zoológica. O desenho era um dos que estavam na Polônia.
Os autores da coleção mostram uma dedicação impressionante pelos temas.
O holandês B.N. Teensma, por exemplo, descreveu em um dos volumes da segunda coleção a missão de Rodolfo Baro junto ao cacique Nhanduí, na serra de Macanguá, Rio Grande do Norte, em 1647. Baro, criado pelos tapuias, conta em detalhes a vida da tribo.
Teensma, que também esteve na recente palestra em São Paulo, descreveu o tedioso e delicado processo de restauração dos nomes no diário, que só existe em uma tradução corrupta em idioma francês. "Passei todo um inverno corrigindo o diário", diz ele. E no ano seguinte veio ao Brasil refazer pessoalmente o trajeto de Baro no interior do Nordeste.


COLEÇÃO BRASIL HOLANDÊS - Organizadores: Dante Martins Teixeira, Ernst van den Boogaart e Rebecca Parker Brienen. Editora: Índex. Quanto: R$ 110 (292 págs., três volumes).


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