São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

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Cantor peruano Juan Diego Florez encarna o "Tom Cruise da ópera"

MICHAEL CHURCH
DO "INDEPENDENT"

"La Cenenterola", de Rossini, demora muito a chegar ao ponto. Você imagina se a espera valerá -e foi o que aconteceu na estréia da ópera no Covent Garden (Londres), há três anos. O jovem peruano que interpretava o príncipe havia recebido críticas favoráveis por seu desempenho com a Royal Opera fora do Reino Unido, e estrelara em "Otello", de Rossini, mas aquela noite marcaria sua verdadeira estréia londrina.
Mesmo em trajes de criado, Juan Diego Florez impôs uma figura nobre, mas foi quando abriu a boca que se tornou possível perceber a platéia segurando a respiração. Sua interpretação das linhas complexas e agudas de Rossini foi impecável, suave e natural; é raro que um talento se declare de maneira tão inequívoca.
Depois de ser classificado pela imprensa como "o novo Pavarotti" e o "Tom Cruise da ópera", Florez hoje vive sob os holofotes. Astro de "Don Pasquale", de Donizetti, e com o CD "Juan Diego Florez: Great Tenor Arias", o cantor está na crista da onda.
Florez se irritava com o rótulo "o segundo Pavarotti": "Quero ser visto como o primeiro Juan Diego Florez". Hoje, mudou. "Admiro Pavarotti como a maior voz do século passado, e também porque neste ano, quando alguém perguntou a ele quem seria o próximo astro da ópera, ele respondeu "Juan Diego Florez"."
Florez parece considerar as oportunidades que o conduziram à fama como recompensas por seus méritos. A primeira delas surgiu em 1996, no festival Rossini em Pesaro, quando o principal tenor, Bruce Ford, adoeceu, e Florez foi convidado a substitui-lo. O sucesso foi tão grande que contratos "choveram" sobre ele.
A ópera estava longe de seu pensamento quando deu os primeiros passos como músico. Nascido em 1973, Florez cresceu ouvindo e tocando em companhia de seu pai, o cantor folclórico Ruben, bem como ouvindo os grandes expoentes da nueva trova cubana. Florez também adorava as coisas do Reino Unido e dos EUA -Beatles, Rolling Stones etc. - e aos 12 anos começou a compor. Tocava com o pai em um piano bar de Lima, e a seguir montou sua banda. "Eu queria ser muitas coisas, mas quando me matriculei no conservatório, as coisas se tornaram mais claras."
"Quando comecei a cantar clássicos, mantive a sonoridade anasalada -meio misturada com uso pesado amplificação, à Elvis Presley." Ele abandonou o estilo e decidiu procurar vaga nas principais instituições norte-americanas de educação musical. "E foi então que compreendi que tinha talento, porque eles me queriam."
"Eu canto melhor se improvisar", diz. "Jamais mostro nos ensaios o que vou fazer no espetáculo. Minha agenda está tão cheia que tenho de chegar atrasado a certas produções."
Qual é o objetivo em prazo mais longo? "Cantar melhor. Verdi e Puccini giram em torno da paixão, e que cada detalhe seja polido. Mas no bel canto de Rossini há sempre coisas que se pode cantar de forma mais bonita, e é preciso que seja esse o objetivo." E é isso que temos. Um artista consumado que provocou virada tectônica no mundo da ópera.


Tradução Paulo Migliacci

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