|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"O Criado"
Losey vira pelo avesso a sociedade inglesa
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"O
Criado", de 1963, é
possivelmente a
obra máxima de
Joseph Losey (1909-84) e mostra por que muitos críticos o
definem como o mais europeu
dos cineastas americanos. Trata-se aqui da narrativa, baseada
em romance de Robin Maugham roteirizado por Harold
Pinter, de uma relação de classe
social virada pelo avesso.
Tony (James Fox), um ocioso
playboy de família aristocrata,
contrata o elegante e refinado
mordomo Hugo Barrett (Dirk
Bogarde) para cuidar de tudo
em seu apartamento. Em pouco tempo o criado passa a ocupar tanto espaço na organização da vida do rapaz que acaba
por entrar em atrito com a namorada deste, Susan (Wendy
Craig), que sai derrotada.
A situação se complica quando Barrett convence o patrão a
contratar como doméstica sua
suposta irmã Vera (Sarah Miles). Logo veremos que de irmã
ela não tem nada.
Não convém antecipar mais
nada. Basta dizer, que ao movimentar sutilmente esses personagens em seu tabuleiro, Losey
empreende ao mesmo tempo
uma radiografia da degradação
da aristocracia inglesa e uma
fábula moral sobre o poder nas
relações interpessoais.
Não são apenas o tema e a
ambientação que conferem o
caráter "europeu" a essa obra,
mas também e sobretudo o seu
estilo. Em lugar da montagem
clássica, picotada, baseada no
mecanismo do campo-contracampo, que caracteriza o cinemão americano, Losey opta pelos longos planos-seqüências e
pela profundidade de campo
que permite ao olhar do espectador passear pelo quadro e
descobrir o que lhe interessa.
Já a primeira seqüência é reveladora dessa opção de linguagem. Ao longo de vários minutos, sem cortes, a câmera, instalada numa grua, mostra uma
estação de trem londrina e o
seu entorno, vai baixando lentamente até enquadrar um homem de terno, que caminha pela rua até o seu destino. Esse
homem é Hugo Barrett, o criado do título.
Sutileza
Dentro do apartamento de
seu futuro patrão, o percurso
de Barrett, que encontra a porta entreaberta, é mostrado em
"câmera subjetiva" (vemos o
que Barrett vê), até que ele encontra/encontramos o jovem
numa cadeira de espreguiçar,
provavelmente de ressaca. Está
traçado o quadro de vulnerabilidade e decadência em que o
arguto criado vai instalar seu
reino. Até então não se pronunciou uma única palavra.
É essa narrativa essencialmente cinematográfica, construída pela riqueza dos enquadramentos e pela sutileza dos
movimentos de câmera, que
Losey conduzirá com firmeza
até o final, num crescendo de
tensão e surpresas. Junte-se a
isso um elenco de primeira e o
resultado é um deleite garantido. Pena que o DVD praticamente não tenha extras.
O CRIADO
Direção: Joseph Losey
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 36,50, em média
Texto Anterior: Nas lojas Próximo Texto: Feriado tem opções no cinema e nos clubes Índice
|