São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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Crítica/"O Criado"

Losey vira pelo avesso a sociedade inglesa

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Criado", de 1963, é possivelmente a obra máxima de Joseph Losey (1909-84) e mostra por que muitos críticos o definem como o mais europeu dos cineastas americanos. Trata-se aqui da narrativa, baseada em romance de Robin Maugham roteirizado por Harold Pinter, de uma relação de classe social virada pelo avesso.
Tony (James Fox), um ocioso playboy de família aristocrata, contrata o elegante e refinado mordomo Hugo Barrett (Dirk Bogarde) para cuidar de tudo em seu apartamento. Em pouco tempo o criado passa a ocupar tanto espaço na organização da vida do rapaz que acaba por entrar em atrito com a namorada deste, Susan (Wendy Craig), que sai derrotada.
A situação se complica quando Barrett convence o patrão a contratar como doméstica sua suposta irmã Vera (Sarah Miles). Logo veremos que de irmã ela não tem nada.
Não convém antecipar mais nada. Basta dizer, que ao movimentar sutilmente esses personagens em seu tabuleiro, Losey empreende ao mesmo tempo uma radiografia da degradação da aristocracia inglesa e uma fábula moral sobre o poder nas relações interpessoais.
Não são apenas o tema e a ambientação que conferem o caráter "europeu" a essa obra, mas também e sobretudo o seu estilo. Em lugar da montagem clássica, picotada, baseada no mecanismo do campo-contracampo, que caracteriza o cinemão americano, Losey opta pelos longos planos-seqüências e pela profundidade de campo que permite ao olhar do espectador passear pelo quadro e descobrir o que lhe interessa.
Já a primeira seqüência é reveladora dessa opção de linguagem. Ao longo de vários minutos, sem cortes, a câmera, instalada numa grua, mostra uma estação de trem londrina e o seu entorno, vai baixando lentamente até enquadrar um homem de terno, que caminha pela rua até o seu destino. Esse homem é Hugo Barrett, o criado do título.

Sutileza
Dentro do apartamento de seu futuro patrão, o percurso de Barrett, que encontra a porta entreaberta, é mostrado em "câmera subjetiva" (vemos o que Barrett vê), até que ele encontra/encontramos o jovem numa cadeira de espreguiçar, provavelmente de ressaca. Está traçado o quadro de vulnerabilidade e decadência em que o arguto criado vai instalar seu reino. Até então não se pronunciou uma única palavra.
É essa narrativa essencialmente cinematográfica, construída pela riqueza dos enquadramentos e pela sutileza dos movimentos de câmera, que Losey conduzirá com firmeza até o final, num crescendo de tensão e surpresas. Junte-se a isso um elenco de primeira e o resultado é um deleite garantido. Pena que o DVD praticamente não tenha extras.


O CRIADO     

Direção: Joseph Losey
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 36,50, em média


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