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GUILHERME WISNIK
Iluminação genital
Idéia de uma luz que vem do alto se mantém ligada à dimensão da transcendência ainda nos dias de hoje
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NAS PÁGINAS do Apocalipse,
são João tem a visão de uma
ordem divina que sobrevém
ao Juízo Final. É a Nova Jerusalém,
descrita como uma cidade quadrada, com doze portas, e cuja praça é
"de ouro puro, como vidro transparente". Uma cidade que, no dizer do
evangelista, não necessitava mais de
Sol nem de Lua, "porque a glória de
Deus a tem iluminado, e o Cordeiro
(Jesus) é a sua lâmpada".
Considera-se que o primeiro emprego mais extensivo do vidro, na
história da construção, data do século 12, com os vitrais das catedrais góticas. Em grande parte, dada à vontade de que estas pudessem equiparar-se simbolicamente à imagem
diáfana da Nova Jerusalém descrita
por são João Batista, na qual o ouro
coincide com o cristal, e o brilho reluzente é sinônimo de transparência (significativamente, quase todas as catedrais trazem representações
do Apocalipse em suas portas).
Avanço técnico surpreendente
numa época ainda conservadora,
em que o horizonte humano se estreitava com a possibilidade iminente do final dos tempos. Daí que a
idéia de uma luz que vem do alto se
mantenha, ainda hoje, ligada à dimensão da transcendência, mesmo
em um tempo em que a desmaterializada fachada de vidro se tornou o
símbolo do "esclarecimento", isto é,
das "luzes" da razão.
Certa vez um aluno, numa aula
minha, querendo referir-se à luz zenital de uma construção (que entra
pela cobertura, através de clarabóias), confundiu-se e falou em "iluminação genital". Ato falho que é
um verdadeiro achado, já que a abertura vaginal é a primeira luz que "vemos" na vida. E, convenhamos, ela está no zênite do percurso do bebê
em sua travessia pelo canal de parto,
ao final do qual considera-se que a
criança foi literalmente dada à luz.
Ao nascer, chegamos ao céu. Que
é, por sua vez, a terra. Assim, as "partes baixas" sobem para o zênite, e eu
diria que esse aluno teve, naquele
momento, uma súbita iluminação: a
vagina como uma Novíssima Jerusalém. Imagino que Freud gostaria
da associação, particularmente sugestiva no dia de Natal. Em vez de
representar uma dimensão inacessível do mundo (sobrenatural, platônica), essa luz nada mais é do que o
próprio mundo no qual entramos.
Por outro lado, esse encontro com
a luz é, agora, uma experiência ao
mesmo tempo sublime e traumática. Pensemos, por exemplo, na dificuldade do Menino Jesus em romper aquele umbral virginal. Terá visto uma luz mais mortiça e bruxuleante do que nós? Mesmo sendo ele
a "lâmpada" dos homens, não foi
dispensado de ver, um dia, essa luz
no fim do túnel como uma espécie
de "Juízo Inicial": o momento em
que o feto se individua, passando a
ter uma bagagem própria e totalmente intransferível.
É freqüente a associação entre o
espaço da igreja e o ventre materno,
o conforto uterino. Pois o interior
em penumbra da igreja, todo envolto em mistério, é sempre vedado à
vista desde o exterior, ficando protegido por um anteparo situado em
frente à porta, como um hímen. Reservadas, elas são como virgens
guardando-se para aquilo que virá
depois do Apocalipse.
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