São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

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Crítica/"Roberto Carlos e Caetano Veloso - E a Música de Tom Jobim"

Caetano e Roberto fazem karaokê de luxo em disco frio

Show dos músicos em homenagem a Tom Jobim sai em CD e DVD sem ousadia

ANDRÉ BARCINSKI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aconteceu. Tom Jobim (1927-1994) virou santo. A consagração aconteceu em dois shows no Auditório Ibirapuera, em agosto, e foi sacramentada agora, com o lançamento do CD ao vivo "Roberto Carlos e Caetano Veloso - E a Música de Tom Jobim".
Tudo no disco é devoto. A começar pela capa, que mais lembra um CD evangélico: emoldurados por um quadro azul-celeste, Roberto e Caetano aparecem de blazer azul, olhando um para o outro e aplaudindo.
Diante de tamanha fé e devoção, é impossível não lembrar dos Skrotinhos de Angeli, perseguindo João Gilberto pelas ruas: "Olha lá o João... João soltou pum! João é gênio!". O alvo da piada, claro, não era o compositor, mas o oba-oba frenético que costuma acompanhá-lo.
Quando foi anunciado que Caetano e Roberto fariam shows e gravariam um disco em homenagem a Tom Jobim, a curiosidade foi grande. Quem mais, senão esses dois, teria moral e cacife para mexer na obra do compositor e fazer algo diferente do que nos acostumamos a ouvir?
A ousadia, infelizmente, não deu as caras. Optou-se pela reverência absoluta. O disco, que tinha tudo para ser um marco, virou um karaokê de luxo, com dois monstros da música brasileira cantando clássicos da bossa nova em versões quase idênticas às originais. Como se a obra de Tom Jobim e a bossa nova estivessem num pedestal, sagradas e intocáveis.

Desperdício
O CD é bonito e agradável, mas isso é pouco em face da expectativa criada. Afinal, só com muito mau gosto alguém conseguiria estragar "Wave" ou "Insensatez" (deve haver, em algum YouTube por aí, uma versão axé para "Águas de Março" ou "Corcovado").
O que frustra no CD de Roberto e Caetano é a oportunidade desperdiçada. Porque eles entraram com o jogo ganho. Dividindo um disco inteiro pela primeira vez, com um repertório desses -"Inútil Paisagem", "O que Tinha de Ser", "Lígia"- era de se esperar uma gravação emocionante e arrebatadora.
Mas o resultado é exatamente o oposto: um CD desanimado, com interpretações burocráticas e nada, mas nada mesmo, que não tenha sido requentado dezenas de vezes em shows e especiais de TV.
Nem em "Chega de Saudade", o óbvio encerramento do show, a dupla demonstra grande emoção. É tudo protocolar e frio.
No fim das contas, parece um disco preguiçoso. Os arranjos são preguiçosos, e até o encarte é banal. Será que o mundo precisa de mais um encarte com a letra de "Garota de Ipanema"?
Seria difícil incluir depoimentos dos dois sobre a bossa nova e a obra de Tom? Caetano não teria histórias curiosas para contar sobre Jobim? Não seria interessante saber de Roberto por que, 50 anos depois, ainda nos interessamos por patos, banquinhos e violões?
Não é à toa que o CD sai bem na véspera do Natal. As versões bem-comportadas e caretas de Roberto e Caetano para as músicas de Tom Jobim são a trilha sonora ideal para o almoço de família e o "amigo secreto" da firma (ou "amigo oculto", se você mora no Rio de Jobim e da bossa nova).


ROBERTO CARLOS E CAETANO VELOSO - E A MÚSICA DE TOM JOBIM
Gravadora: Sony BMG
Quanto: R$ 32 (CD) e R$ 42 (DVD; classificação: livre)
Avaliação: regular



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