São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2002

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PERSONALIDADE

Vítima do câncer, pensador francês era um dos intelectuais europeus mais influentes na atualidade

Sociólogo Pierre Bourdieu morre aos 71

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O sociólogo francês Pierre Bourdieu, figura central da sociologia contemporânea e um dos intelectuais europeus mais influentes na atualidade, morreu anteontem à noite, vítima de um câncer.
Ele tinha 71 anos e, nos últimos tempos, sua projeção internacional chegara ao ápice, com seguidores em universidades de Ocidente e Oriente. Graças ao seu trabalho, a sociologia ganhou novo fôlego como instrumento científico de observação, análise e crítica da vida contemporânea.
A figura do intelectual crítico e participativo também se revigorou com Bourdieu e suas idéias. "Não há democracia efetiva sem verdadeiro contra-poder crítico. O intelectual é um desses contra-poderes, e de primeira grandeza", declarou certa vez.
A comoção na França com a sua morte já era enorme nas primeiras horas de ontem, quando foi divulgada a notícia. O primeiro-ministro Lionel Jospin, em mensagem de pêsames, registrou sua "tristeza" e declarou que o sociólogo "deixa uma obra forte e fecunda". Para Jospin, os trabalhos de Bourdieu o transformaram no "condutor de uma escola de pensamento ligada à crítica incisiva à sociedade capitalista".
O filósofo Jacques Derrida recordou ao jornal "Le Monde" sua amizade e seu encontro na Argélia com Bourdieu, a quem classificou como "uma grande original figura da sociologia contemporânea". Para o filósofo, Bourdieu "tinha a ambição de dar conta de todos os campos da atividade social, inclusive os campos intelectuais, inclusive o seu próprio".
Controverso, temido, bajulado e caricaturado, Bourdieu passara a ser um dos intelectuais que melhor encarnavam a tradição histórica francesa do pensador politicamente engajado e criticamente participativo. Sua atuação se espalhava por livros, revistas, televisão e jornais. Seus temas abarcavam da política à arte, da religião à mídia, da filosofia à ciência.
"Ele tinha uma vitalidade extraordinária. No leito do hospital, ele corrigia os trabalhos de seus colaboradores", contou um de seus colegas mais próximos, o sociólogo Patrick Champagne.
Nascido no interior da França, em 1º de agosto de 1930, Bourdieu iniciou sua carreira como professor de filosofia e depois de letras em Argel (capital da Algéria), em 1958, durante o movimento de independência do país.
Em 1964, tornou-se um dos mais jovens professores da célebre Escola Prática de Altos Estudos. Nesse ano, publicou "Les Héritiers - Les Étudiants et la Culture" (Os Herdeiros - Os Estudantes e a Cultura), com Jean-Claude Passeron. Os dois desenvolverão o importante conceito de "capital cultural", segundo o qual a expressão simbólica tem também valor de troca, como o dinheiro e a propriedade e, quanto melhor alguém entende e manipula a linguagem da classe dominante, mais "rico" será.
Em 1970, publicou "A Reprodução - Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino" e, em 1979, "A Distinção - Crítica Social do Julgamento", dois livros capitais para a compreensão de seu pensamento. No primeiro, ele formula a teoria da "violência simbólica", exercida sobre os dominados com o consentimento destes, por estarem presos ao hábito e desconhecerem o seu fator violento. No segundo, examina as relações entre as classes sociais e seus gostos.
Em 1981, Bourdieu foi nomeado professor titular da cadeira de sociologia do Collège de France. No mesmo ano, lançou, com o filósofo Michel Foucault, um apelo em favor do movimento Solidariedade, na Polônia.
Com o avanço da mundialização e das teses econômicas do neoliberalismo, a militância política de Bourdieu acentuou-se. Ele participou de manifestações de apoio a grevistas, imigrantes e trabalhadores e publicou uma série de artigos e livros que refletiam sobre as formas de dominação.
Várias dessas últimas obras, publicadas na França por sua editora Liber/Raison d'Agir, quase como panfletos, foram traduzidas no Brasil. "Sobre a Televisão" aborda os mecanismos de controle e de produção de discursos dominantes pela mídia. "A Dominação Masculina" estuda a permanência de um inconsciente dominante "androcêntrico" (masculino) em ambos os sexos.
Entre os mais de 40 livros que escreveu e organizou, destacam-se ainda "A Ontologia Política de Martin Heidegger" (88), uma desmontagem das relações entre intelectuais e poder, "As Regras da Arte" (92), sobre Flaubert e a produção social de um escritor, "A Miséria do Mundo" (93), pesquisa com pobres franceses, e "Contrafogos - Táticas para Enfrentar a Invasão Neoliberal" (98).


Com agências internacionais


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