São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2000


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CINEMA ESTRÉIA
"O Informante" traz Pacino falando de ética

KAREN DURBIN
do "The New York Times"

Ágil e compacto, Al Pacino praticamente salta de um lado a outro na cozinha de seu escritório, no alto de um edifício do centro de Manhattan. Estamos na Chal Productions, empresa que abriu com o professor de atores Charlie Laughton, seu amigo e mentor.
Há homens trabalhando em todas canto, desde editores e produtores que trabalham nos projetos de filmes independentes de Pacino até seu assistente pessoal de longa data, passando pelo estudante de teatro que atua como recepcionista e assistente geral.
Al Pacino é conhecido por ser avesso a entrevistas, mesmo ao tipo que não procura descobrir informações sobre sua vida privada (namorada: a atriz Beverly D'Angelo; filha: Julie, 9 anos, a quem é muito ligado). Desta vez, porém, mostra-se caloroso e simpático. Passa uma tarde toda conversando sobre seu trabalho, com prazer evidente e eloquência em alguns momentos comovente.
De tempos em tempos, Pacino interrompe sua carreira no cinema para, em suas próprias palavras, "percorrer a corda bamba do teatro". Representar, de todas as formas, é a grande paixão de sua vida, seu princípio organizador. Citando um trecho comovente de "Otelo", de Shakespeare, ele compara sua descoberta do trabalho de ator, 40 anos atrás, à descoberta do amor: "Que a perdição tome conta de minha alma, mas eu te amo. Quando não te amo, o caos entra em mim".
Pelo telefone, entre risadas, Oliver Stone fala: "Al é uma pessoa muito sensível. Ele possui uma grande reserva de sentimento". Pacino fez uso dela mais recentemente em dois filmes novos e importantes, quando representou um jornalista de TV em "O Informante", de Michael Mann (que estréia hoje no Brasil), e um envelhecido treinador de futebol americano que enfrenta um mundo esportivo em transformação em "Any Given Sunday", de Stone.
Diz Mann: "Alguns diretores podem ver atores como uma chateação a ser suportada. Não é o meu caso. Tenho um respeito enorme pelo que eles fazem, é algo que exige coragem incrível. Estou falando dos grandes atores".
Ele está falando, especificamente, de Pacino, que, ao lado de Russell Crowe, estrela o polêmico "thriller" criado por Mann sobre o poder desenfreado das grandes empresas, baseado em fatos reais.
Crowe faz o papel de Jeffrey Wigand, o diretor de pesquisas e desenvolvimento da Brown & Williamson Tobacco Corporation, que se tornou delator após ser despedido por ser contra a decisão da empresa de não procurar maneiras de produzir cigarros menos prejudiciais à saúde. Pacino representa Lowell Bergman, o produtor do programa de TV "60 Minutes" que convenceu Wigand a revelar o que sabia, concedendo uma entrevista a Mike Wallace.
Quando a CBS ordenou que a entrevista não fosse ao ar e a direção do "60 Minutes" obedeceu, Bergman passou a fazer tudo para restaurar a boa reputação de Wigand e fazer a entrevista vir à tona.
Algumas figuras discordam do retrato que é feito delas no filme. É o caso de Mike Wallace, que ganha uma imagem de certa covardia. Mann foi acusado de glorificar indevidamente a figura de Lowell Bergman, mas afirma que ele e Pacino se esforçaram muito para não errar nesse sentido.
Na versão apresentada por Pacino, Bergman é contundente, mas nada glamouroso. É um jornalista investigativo dotado da agressividade típica dessa categoria, que se orgulha de ser o primeiro a descobrir os fatos e de proteger suas fontes. Pacino pode ser o astro maior do filme, mas ele deixa a atenção voltar-se para o personagem central da história, o conflituoso Jeffrey Wigand.
O dom singular de Al Pacino consiste em ser capaz de representar ambas as extremidades do espectro com igual perfeição: os perdedores e "homenzinhos" que representa são tão convincentes e cheios de nuanças quanto seus personagens viris e grandiosos. Quando pergunto sobre isso, sua resposta denota não só modéstia, mas até a idéia de que a pergunta não faz sentido: "Você está falando de masculinidade? Homem machão? Não faço idéia do que quer dizer, mas tudo bem".
Em dado momento, falamos em tom de brincadeira sobre o desaparecimento de sua timidez. Afinal, ele acaba de passar horas respondendo a perguntas com facilidade e franqueza.
Al Pacino me garante que sua timidez é inata e ainda está lá, em algum lugar no fundo de sua psique. "Mas", pondera, "acho que chega um momento em que você tem de afirmar quem é e a que veio. Não dá para fugir, para se esconder. Em última análise, tem de dizer: "Estou aqui. Este sou eu"."


Tradução Clara Allain


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