São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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"Não dizíamos que fazíamos teatro"

ARTICULISTA DA FOLHA

Desde 1974, Hamilton Vaz Pereira, 52, escreve, encena, atua e produz espetáculos teatrais. Nunca remontou um. No ano passado, ao entrar numa livraria, folheou peças e não encontrou o seu nome.
"Escrevi 20 textos, todos montados. Senti-me egoísta ao não presentear os leitores com a minha obra, e assim procurei uma editora. Hoje, aguardo o momento em que o leitor vai entrar numa loja, colocar o meu livro no colo e deixar que a vida mova-se ao seu redor", afirma.
O autor publica os textos criados com e para o Asdrúbal Trouxe o Trombone: "Trate-me Leão", "Aquela Coisa Toda" e "A Farra da Terra".
(MRP)
 

Folha - Por que você apresenta o Asdrúbal Trouxe o Trombone como comediantes?
Hamilton Vaz Pereira -
Equipe de comediantes, era assim que a gente se chamava. Nossa turma não se sentia "de atores", não dizia que fazia teatro e sim que fazia "Asdrúbal". Provavelmente, para marcar uma certa diferença dos grupos importantes da época, e dos atores de mercado que faziam em cena o que a oportunidade profissional lhes oferecia. Estávamos mais para Oscarito do que para Sérgio Cardoso.

Folha - Era intenção de vocês discutir o fazer teatral com "Trate-me Leão"?
Pereira -
Era. Muito embora mais importante era fazer teatro da maneira que a gente achava que devia ser feito. Se isso discutisse a produção teatral da época, melhor ainda. O palco é um lugar para o exercício das singularidades.

Folha - Vocês tinham idéia da relevância da peça, tanto do tema quanto do formato?
Pereira -
Durante os nove meses de criação, tive tempo para criar cenas, ensaiá-las com atores, conviver com os parceiros e pensar que aquele processo de criação nos levaria a um espetáculo inédito. Estávamos trabalhando duro e tão apaixonadamente que tudo deveria ter uma relevância para além da trupe.

Folha - Pensam em montá-la de novo?
Pereira -
Tenho o projeto de montar pelo menos um espetáculo do Asdrúbal para registrá-lo em DVD. No ano passado, quase conseguimos patrocinador, mas não rolou. Os comediantes estão todos aí, fortes, bonitos, saudáveis, em atividade e encantando seu público.

Folha - Vocês foram patrulhados, já que havia um clima de arte engajada no ar?
Pereira -
De todas as patrulhas, o que mais me chocava era ouvir da geração anterior, repleta de atores, diretores e dramaturgos excepcionais, que teatro não vale nada, não leva a nada, não muda nada. Lembro que quando estreamos "Trate-me Leão" um crítico adorou o espetáculo, mas sentiu falta de "um verdadeiro autor dramático". Pois bem, anos depois, aquela geração que assistiu ao espetáculo e as que vieram depois vão poder ler o texto integral e verificar se ele fluiu com o tempo, se ele ainda tem a ver com a vida, se ele ainda merece ser encenado.

Folha - Tiveram problemas com censura ou polícia?
Pereira -
Naquela época, eu não fazia alarde dos problemas que a gente tinha com a censura, com jornalistas-patrulheiros, com as autoridades da repressão policial. Mas a verdade é que passamos por prisões, por censuras, por diversos constrangimentos pelos quais não gostaria que nossos filhos passassem.


TRATE-ME LEÃO. Autor: Hamilton Vaz Pereira. Editora: Objetiva. Quanto: R$ 33,90 (184 págs.).


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