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RODAPÉ
O apocalipse do papel e os universos paralelos do livro
Onde for, no lugar-pensamento que chegamos.
Se chegar lá, Lá existe. Só existe o
que vemos. Ler no espelho algo invertido.
Deus não soube encontrar. Só encontra nisto.
Isto, isto mesmo. Assim
é a vida, nela mesma.
As coisas no que são.
Sozinhas, começam a
partilhar de outra natureza."
Extraído da plaquete "Isto", de André Luiz Pinto
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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Em 1998, durante um encontro
de revistas ibero-americanas
organizado em São Paulo pelo
poeta Horácio Costa, o escritor
mexicano Christopher Dominguez, da "Vuelta", ironizou a idéia
de que haveria um "apocalipse do
papel" -ou seja, que o avanço
tecnológico apontava para o fim
iminente do livro.
Passados oito anos, a invasão da
vida privada pela internet e a proliferação de espaços virtuais como
blogs e Orkut dariam mais munição para os arautos da morte da
palavra, da pauperização da linguagem verbal. Entretanto, a tecnologia gráfica vem realçando um
aspecto nada negligenciável da
experiência da leitura: o prazer
proporcionado pelo contato físico
com o livro.
"Os livros são objetos transcendentes/ mas podemos amá-los do
amor táctil", escreveu Caetano
Veloso na canção "Livros". E, numa crônica recente, publicada na
Folha, Nelson Ascher falou sobre
"os universos paralelos (no sentido que lhes dá a ficção científica)
da tipografia, impressão e artes
correlatas".
Em suma, a mesma tecnologia
que permite ler uma obra em ambiente virtual pode amplificar o
efeito das artes gráficas tradicionais, transformando o "suporte"
da palavra num artefato estético
quase autônomo. Exemplo bem
concreto é a onda de plaquetes
que vêm circulando de modo
crescente entre leitores e escritores unidos exclusivamente pelo
culto fetichista do livro.
"Plaquete" é um galicismo que
designa um livrinho de poucas
páginas (às vezes uma espécie de
folder) impresso de forma artesanal e com apuro visual. Tradicionalmente, foi veículo para que escritores divulgassem seus textos
numa época em que publicar livros era uma operação dispendiosa.
Muitos nomes consagrados da
literatura brasileira passaram por
essa experiência e não seria exagero dizer que tal suporte está na
raiz da "geração mimeógrafo",
que nos anos 70 buscou meios alternativos para imprimir seus trabalhos à margem da censura militar e da cultura oficial.
As plaquetes atuais apontam
em outro sentido. Seus autores
têm livros publicados -ou seja,
não são excluídos de um sistema
no qual há cada vez mais espaço
para pequenas editoras. Também
não sustentam atitude missionária ou vanguardista. Sua opção,
mais modesta, é estética.
Caso exemplar é o poeta Ronald
Polito, que criou o selo Espectro
Editorial, publicando versos do
italiano Umberto Saba (1883-1957), do espanhol Adolfo Montejo Navas ("Esse Animal de Água")
e, mais recentemente, o poema
em prosa "Isto", de André Luiz
Pinto. Seu trabalho gráfico é primoroso e inclui um envelope (selo Edições do Outro Mundo) contendo dez folhetos com narrativas
de autores catalães.
Um problema comum a todas
as plaquetes é que o acesso a suas
minúsculas tiragens (na casa dos
cem exemplares) é limitado. Em
geral, são distribuídas gratuitamente para um círculo restrito.
Muitos editores, porém, estão dispostos a enviar exemplares aos interessados, praticamente sem
custo (ou apenas o do correio).
É o que acontece com as plaquetes do Centro Dragão do Mar de
Arte e Cultura, do Ceará (literatura@dragaodomar.org.br), que
publicou o poema "Ninguém", de
Virna Teixeira (sobre ilustração
de Leonilson), e o poema a quatro
mãos "Outra Manhã", de Manoel
Ricardo de Lima e Aníbal Cristobo (sobre instalação de Eduardo
Frota).
A plaquete "Tributo a Guernica", inaugurando o selo Piparote
(piparote@gmail.com), traz variações de Franklin Valverde sobre a tela de Picasso, num sofisticado volume em capa dura. Já a
série "Relógio do Rosário", elaborada por Júlio de Abreu e Silva e
Ricardo Novais, distribuída pela
editora Scriptum (scriptum@scriptum.com.br), é composta
por 12 encartes com desenhos de
artistas como Marco Tulio Resende e Ananda Sette para textos de
poetas como Júlio Castañon Guimarães, Carlos Ávila, Fabiano Calixto e Tarso de Melo compostos a
partir do poema homônimo de
Drummond.
Um caso à parte é o "Zinequanon", misto de fanzine e plaquete
do poeta Reynaldo Damazio
(www.weblivros.com.br), que
tem sido um canal precioso para
originais e traduções de autores
praticamente inéditos no Brasil,
como o argentino Roberto Juarroz e os anglófonos Richard Brautigan e Charles Simic.
Manuel da Costa Pinto escreve quinzenalmente neste espaço
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