São Paulo, terça, 25 de fevereiro de 1997.

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FRANÇA
Bernard Teyssedre conta a saga de ``L'Origine du Monde''
Livro sobre saga de quadro de Gustave Courbet é lançado

RAUL MOREIRA
especial para a Folha, em Milão

Um livro contando a saga do quadro mais escandaloso da história, "L'Origine du Monde", pintado pelo francês Gustave Courbet, em 1886, acaba de ser lançado na França.
"Le Roman de L'Origine" (Gallimard, 450 págs., 150FF), do historiador e crítico de arte Bernard Teyssedre, aborda, nos mínimos detalhes, os 124 anos de rocambolescas aventuras e os desdobramentos críticos e morais de uma obra que ainda hoje desperta polêmica no mundo das artes.
Dos mil modos como foi visto aos caminhos que percorreu -passou pelas mãos de húngaros, nazistas, russos e do psicanalista Jacques Lacan-, até restar no Museu de Arte Moderna D'Orsay, em Paris, em 95, a trajetória do quadro de Courbet acabou transformando-se em um livro agradável pelas surpresas da reconstituição histórica.
A começar pelo fato de que o quadro saiu do atelier do célebre Courbet sem título.
O título definitivo -já havia sido chamado de "Tableau X"- foi dado por um dos seus primeiros donos, um barítono francês.
Segundo Teyssedre, o quadro de Courbet causou tanto espanto entre os críticos de arte do final do século 19 que muitos foram incapazes de definir o seu enigma.
O francês Edmound de Goncourt se disse embaraçado e escreveu: "Diante desta tela que eu jamais havia visto, devo parabenizar Courbet: esse ventre é belo como um nu de Correggio", observação que acabou sendo vetada pelos donos do jornal em que trabalhava.
Um outro crítico conhecido da época, o escritor Maxime du Camp, amigo de Gustave Flaubert, fez um ataque direto ao quadro: "Uma mulher em tamanho natural, extraordinariamente pintada, mas com um inconcebível esquecimento do resto do corpo".
Bernard Teyssedre faz também no seu livro uma observação histórica a respeito dos quadros que exploravam o nu feminino na época.
Segundo ele, em 1865, Edouard Manet havia apresentado no salão de Paris o seu "L'Olympia", pintura que também foi considerada escandalosa, mas em que o espectador conseguia manter a distância do "sexo" feminino.
A diferença de "L'Origine du Monde", diz Teyssedre, é que a pintura conseguiu quebrar esse invisível confim que separa a obra da realidade.
Vetado às exposições, o quadro caiu no esquecimento e foi parar na Hungria, onde em 1944 os alemães o tomaram como prêmio de guerra. Um ano depois, em fevereiro de 45, Budapeste foi invadida pela brigada russa. O quadro passou pelas mãos dos embaraçados oficiais russos, que, influenciados pelo realismo socialista, acabaram devolvendo-o ao antigo dono.
Em 1949, "L'Origine du Monde" voltou à França, onde ninguém teve coragem de mostrá-lo. Reservadamente, foi adquirido pelo psicanalista Jacques Lacan. Começa a fase mais divertida do livro, em que o autor descreve as indecisões e as variações reticulares da relação entre o quadro e o observador.
Lacan, diz Teyssedre, era um professor desse grande "nada". Olhava constantemente o quadro, buscando os seus segredos, interrogando-se, num diálogo silencioso que durou 26 anos, até a sua morte, em 1981.
Por um longo período depois da morte do psicanalista, o quadro desapareceu. Em 91, surgiu no museu de Orans, onde ficou quatro anos. Em 95, com a presença do ministro da Cultura da França, ganhou o seu posto definitivo no Museu D'Orsay, onde pela primeira vez o público pôde ver o quadro mais escandaloso do mundo.


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