São Paulo, quarta, 25 de março de 1998

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O VENCEDOR
"Caráter" foi raro acerto da academia

em São Paulo

Um homem sobe as escadas e adentra o sombrio gabinete de um ancião. Esbraveja que conseguiu se formar advogado e espera jamais tornar a vê-lo. Dá as costas e sai. Arrepende-se, volta e se atira como vampiro sobre o inimigo.
Sob desconcertante tratamento gótico, assim começa "Caráter" (Karakter), o filme de estréia do holandês Mike van Diem, que merecidamente desbancou "O Que É Isso, Companheiro?" na disputa do Oscar de melhor filme de língua não-inglesa. Baseado em dois romances de Ferdinand Bordewijk, tudo se passa durante cerca de 30 anos no início deste século.
Após a sequência inicial, acompanhamos a prisão do jovem agressor, Katadreuffe (Fedja van Huet), horas depois do último encontro com seu desafeto. Era ele Dreverhaven (Jan Decleir, soberbo), cujo cadáver acaba de ser descoberto.
Katadreuffe revela-se o filho bastardo do sádico especulador Dreverhaven com a ex-empregada doméstica Lorna (Tamar van den Dop), resultado de uma isolada aventura sexual. A solitária Lorna resiste a se casar como patrão, deixando o emprego e optando por criar Katadreuffe sozinha, apesar das dificuldades financeiras.
Dreverhaven jamais se refaz da separação. De longe, acompanha a vida quase miserável enfrentada por eles. Obcecado, envia regulares ofertas de casamento a Lorna. A Katadreuffe, prefere submeter a constantes provas de caráter. O pretenso parricídio da cena inicial é o ajuste de contas definitivo.
"Caráter" é um drama seco e preciso. Van Diem, 39, conduz o filme como veterano, apoiado em um belo roteiro, intérpretes fabulosos e uma reconstituição de época expressionista de tirar o fôlego. Estamos a anos-luz do melô feminista amador de "A Excêntrica Família de Antonia", que bateu "O Quatrilho".
O Oscar recupera um grande filme que vinha girando em falso no circuito internacional. "Caráter" passou em vários festivais. A Academia lhe faz justiça, de certa forma repetindo o empurrão decisivo que deu a "Mephisto", de István Szabó. Foi um raro acerto no meio século de prêmios na categoria. (AMIR LABAKI)



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