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"Divinas Palavras" é perfeita demais
NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba
"Divinas Palavras", um espetáculo baiano mostrado até anteontem no Festival de Teatro de Curitiba e que fará apresentações em
São Paulo na semana que vem, é
elogiável em praticamente todos
os sentidos.
O texto do espanhol Ramón del
Valle-Inclán é da série que intitulou "esperpento", na qual distorce
as normas do teatro, adiantando
muito do chamado teatro do absurdo, e faz uma massacrante -e
sempre moderna- imagem da
corrupção social.
A adaptação de Elomar e Xangai,
compositores de música popular,
transpõe a peça para "os falares
subdialetais do nosso povo" quase
como uma nova criação, um novo
texto. Não há o menor traço de
inadequação.
A direção da jovem alemã Nehle
Franke tem uma perfeição detalhista que vai da cenografia de casebres rurais, criada por Ayrson
Heráclito e Haroldo Garay, ao domínio dos músculos faciais dos
seus atores.
Relógio
Atores que impressionam pelo
rigor da interpretação, não apenas
na modelação física, nos gestos,
mas no que permitem vazar de
sensualidade.
"Divinas Palavras" é um relógio, imagem que é reforçada pela
platéia giratória, que vai de cenário em cenário, com grande efeito
sobre o espectador.
Mas há algo de frio, de exterior,
por mais envolvidos que se mostrem os intérpretes, em tamanha
perfeição para retratar, afinal, a
miséria. Um personagem baba,
mas é uma baba esteticamente
inatacável, que se repete idêntica,
cena sobre cena.
(Na trama, uma mulher miserável usa um deficiente para pedir
esmolas, ao mesmo tempo em que
trai o marido, o que leva à reação
dos demais miseráveis.)
Em várias passagens a peça vence a barreira da perfeição formal,
torna-se grande teatro. Mas a sensação geral é de distância, como se
não tratasse, afinal, de brasileiros,
"o nosso povo".
"Divinas Palavras" não escapa
da regra da produção contemporânea de grande parte do teatro
nordestino, vista em temporadas
em São Paulo ou festivais como o
de Recife. Um teatro que bebe na
arte popular, mas que a filtra pela
veia formal.
A peça lembra -e muito- a
bem-sucedida "Vau da Sarapalha", da Paraíba, bem como
"Brincante", do pernambucano
Antonio Nóbrega, e deixa a impressão de que o teatro nordestino
parou.
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