São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2001

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O último parceiro do Rio Bonito


Meio século depois de ter sido estudada por Antonio Candido, fazenda tem apenas um remanescente


Andre Singer/Folha Imagem
José Batista, conhecido como Zé da Lazinha, o último membro do micromundo estudado por Candido para "Os Parceiros do Rio Bonito"


ANDRÉ SINGER
ENVIADO ESPECIAL A BOFETE (SP)


Quase meio século depois de Antonio Candido encerrar o estudo que resultou em "Os Parceiros do Rio Bonito", o micromundo estudado pelo sociólogo desapareceu. Apenas um último membro do grupo de famílias que moravam na fazenda Bela Aliança, objeto da pesquisa do professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) entre 1948 e 1954, ainda reside lá. Acompanham-no a mulher e dois filhos.
José Batista, ou Zé da Lazinha, como é mais conhecido, nasceu em 1952. Tinha dois anos quando Candido foi ao local pela última vez. Sua mãe, Lazinha, chefiava um dos núcleos familiares incluídos na tese, depois livro, hoje considerado um clássico.
Lazinha era viúva. O pai de José Batista fora assassinado por um sobrinho. Dona Lazinha ficou então na fazenda com os três filhos e a sogra, Nhá Bina, que morreu muito velha (fala-se em 120 anos) em 1970. Dona Lazinha sobreviveu até 1993.
Na época do trabalho de campo de Candido, a enorme Bela Aliança, então com 700 alqueires, era comandada pelo historiador Edgard Carone, proprietário do imóvel até o ano passado, embora então só restasse 1/5 da antiga dimensão. Com a morte do pai, ela foi dividida entre os irmãos.
O hoje caseiro da fazenda cresceu no ambiente que foi objeto do minucioso levantamento -sociológico e etnológico- realizado pelo intelectual que se tornou o paradigma do "estilo USP" de investigação e docência. O filho de Dona Lazinha teve a rara oportunidade de testemunhar, passo a passo, a desagregação do universo descrito por Candido.

Desagregação
Um dos trabalhadores rurais mais próximos ao menino era Nhô Quim, seu tio por parte de pai. A trajetória de Nhô Quim, relatada à Folha por Zé da Lazinha, é emblemática do destino dos parceiros. Em algum momento entre os anos 1960 e 1970, Nhô Quim aposentou-se e foi morar com os filhos em Botucatu, o pólo regional mais próximo.
Depois os filhos de Nhô Quim "trabalharam muito tempo nas torres de energia", diz José. É provável que ele se refira às Usinas Elétricas do Paranapanema, incorporadas mais tarde à Cesp, que mantém uma importante subestação interligadora entre Botucatu e Bofete, antigo Rio Bonito, município no qual fica a Bela Aliança. "Um deles depois tirou carta e virou motorista da empresa", conta Zé da Lazinha sobre o primo.
Antes dessa incorporação definitiva à vida urbana, contudo, houve um período de transição, em que eles se dedicaram a "rachar lenha", talvez para abastecer os trens da Sorocabana, que passam pelo vizinho município de Conchas.
Seja no campo ou na cidade, o fato é que, ao sair da Bela Aliança, a família de Nhô Quim perdeu para sempre a condição de parceira para ingressar na de assalariada. A parceria é uma relação na qual o camponês não é proprietário da terra, embora possua a casa em que mora dentro da fazenda. Ele trabalha um pedaço de chão, junto com a família, e entrega uma parte do produto ao fazendeiro, ficando com o resto.
A parte do fazendeiro ia de 20% a 50%, a depender dos benefícios postos por este antes de começar a labuta do camponês. A relação de parceria dava ao trabalhador a dignidade social de um sitiante, embora juridicamente não o fosse, por não ser proprietário do terreno cultivado.
O próprio Zé da Lazinha deixou de ser parceiro e virou caseiro da Bela Aliança, pelo que recebe um salário mensal. Será, provavelmente, o administrador do lugar, caso ele volte a produzir.
A única diferença entre ele e os primos é que José permaneceu no campo. Tentou morar em Piracicaba, onde foi jardineiro da prefeitura em 1978. A mãe, porém, não se adaptou, e ele voltou para a zona rural de Bofete com os dois irmãos. Os três hoje são assalariados e um deles reside em Bofete.
De acordo com os dados mais recentes do Censo Agropecuário do IBGE, de 1995-1996, as relações de parceria sofreram queda acentuada no país desde 1970, quando a pesquisa começou a ser feita. Foram as que mais perderam espaço na produção rural, considerando as outras três categorias: proprietários, arrendatários e ocupantes.
Questionado, contudo, se os tempos de hoje são piores que os antigos, Zé da Lazinha foi categórico: "Agora é melhor porque tem "mistura" todo dia". Significa que na dieta cotidiana, além de arroz, feijão e farinha, vai sempre alguma carne ou ovo. Como bem percebeu Antonio Candido, a comida é fundamental.


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